sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Manhãs dos meus dezoito (de Alma Welt)





                                                          Adão e Eva - de Albrecht Dürer

Manhãs dos meus dezoito (de Alma Welt)

Doces manhãs dos meus dezoito,
Quando já adquirira segurança
E já não era um simples ser afoito,
Como dizia a Mutti, "na lambança",

Mas somente com quem de minha escolha,
Pois essa era a minha liberdade
Embora já topasse com a maldade
No entorno, que jamais é uma bolha.

Sim, do Éden expulsaram irmão e irmã,
Para longe da ardente macieira
E temos que plantar ou ir à feira.

Mas o momento auge, o da maçã,
Permanece em dor a vida inteira
Ou faz da nossa vida uma manhã...



 

Succès d’escandale (de Alma Welt)


                                       Manhã de Setembro- Paul Émile Chabas (1869–1937)

Succès d’escandale (de Alma Welt)

Cavalgar por aí nua na coxilha
É o prazer maior que tenho tido
Desde que adotada como filha
Desta terra de pudor reconhecido.

O Pampa acolheu meus anos oito,
Eu que vinha de um velho burgo novo
Não conhecia coito, e só biscoito,
Mais a carga romântica de um povo.

Então só me restava ser poeta
Como sempre acontece a quem amar
Sem ter sela e cabresto como meta...

E onde pura inocência nada vale
Tive o primeiro "succsès d’escandale"
Sob a antiga macieira do pomar...
 

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A Sibila (de Alma Welt)




                               A Sibila Líbica - Afresco de Michelangelo no teto da Capela Sistina

A Sibila (de Alma Welt)

As manhãs mal me devolvem ao real
Resgatada dos sonhos de outros mundos,
Que não dos medos o frio manancial,
A fonte de onde os meus são oriundos,

Mas de onde vaga meu espírito ao acaso
Galgando a estratosfera já sem ar
Ou então os altos montes Cáucaso
Onde todas as perguntas vão parar...

Pois quanto eu vou aí pelos espaços,
A partir do balançar em minha varanda
Ou do meu jardim em lentos passos!

E sempre de mim mesma uma sibila
Quando então meu coração desanda
Contando os versos sílaba por sílaba...
 

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Nem rouxinóis nem cotovias (de Alma Welt)




Nem rouxinóis nem cotovias (de Alma Welt)

Confesso minha pena de morrer
Assim como de perder meus sonhos;
Considero-me insuspeita pra sofrer
Pois meus versos não primam por bisonhos.

Mas há manhãs que acordo com meus gritos
De fazer esvoaçar as cotovias
E rouxinóis, se os houvesse, não mosquitos
E tão pouco motivo pra poesias...

E mordo até sangrar os cotovelos
Quando olho no espelho minhas olheiras
Que refletem meu penar de pesadelos...

Mas teimo em escrever contra a maré
Mesmo que então saia estas besteiras
Das quais eu me envergonho, e rio até...
 

O Coringa (de Alma Welt)


 
O Coringa (de Alma Welt) 

Quê charada imensa é a vida!
Desafio alguém a desvendá-la
A partir da História conhecida
Ou da decifração de uma mandala.


A cartas do Tarô mais nos confundem
Como enforcado pendurado pelos pés;
As melhores ciganas nos iludem
E os filósofos viraram canapés,

Nos servimos deles em torradas
Em meio aos risos falsos dos saraus
Antes do churrasco e das saladas.

Mas de buscar sentido desistimos
Como se fora um mero dois de paus
O coringa que tiramos e nem rimos...

A pergunta (de Alma Welt)


                                  A porta do Inferno- de Auguste Rodin

A pergunta (de Alma Welt)

Quero abordar tudo nos meus versos,
Tudo que interesse nesta vida,
Conquanto alguns temas controversos
Talvez me façam perder a acolhida.

Pois se a face trágica ainda choca
Metade da platéia calorosa
Que costuma ver filme com pipoca
Sobre a nossa vida cor-de-rosa,

A vertente erótica nem se fala,
Mal defendida por uma frágil chave
Como uma pergunta que não cala:

“Queres realmente aqui entrar?”
Está na tabuleta de uma trave
De um portão de que se pode não voltar...
 

O saltimbanco (de Alma Welt)



 
O saltimbanco (de Alma Welt) 

Seremos todos felizes no final,
Nem que seja no último momento,
No alívio derradeiro e fatal
Daquele suspiro longo e lento...


Queremos crer nisso, na verdade,
Pois a vida recupera seu sentido
E passa a existir a eqüidade
E o nexo de novo garantido...

Mas se por desgraça a fé nos falta
Na lógica de tudo o que existe,
Como um saltimbanco amor nos salta

E explode nos ares de repente
Como a terna gargalhada por um chiste,
E a infância se refaz dentro da gente...

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Encontro com o Tempo (de Alma Welt)



 
Encontro com o Tempo (de Alma Welt)

Na coxilha com o Tempo me encontrei,
Muito velho a andar com firme passo
E com tanto domínio de sua lei
Que não me atrevi a dar-lhe o braço.

A barba branca até o tornozelo
Lhe dava um tal aspecto bizarro
(mas não de sujeira ou desmazelo,
que nessa bizarria não me amarro)...

Mas, confesso, um tanto temerosa
Saudei o velho andarilho com respeito
Sem saber se o fiz em verso ou prosa.

“Tão gulosa tua quota devoraste”-
Disse o velho com o dedo no meu peito-
“Que a ti mesma para trás deixaste...”

sábado, 20 de outubro de 2012

O Relógio Secreto (de Alma Welt)


O Relógio Secreto (de Alma Welt) 

Sopram os ventos do destino sobre mim,
E eu os temo, não fechei as minhas contas,
Que não estou preparada para o fim,
Ainda preferia andar às tontas

Como fazia na minha juventude
Tão ávida de amores e prazeres,
Que os tive de sobejo enquanto pude
E agora só os tenho se me leres...

Mas deixai-me, ó ventos, por aqui,
Não só espectro a estalar escadas
Mas no jardim e no pomar onde cresci

A contar as doze sílabas nos dedos
Como agora as conto em badaladas
No relógio secreto dos meus medos
...

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Tristes Cantigas (de Alma Welt)







                                                          Foto de Alla Alborova

Tristes Cantigas (de Alma Welt) 

Tristes cantigas eu canto pra mim mesma

O que me faz chorar e adormecer
Quando já preenchi toda uma resma
Com a minha imensa pena de morrer

E deixar este universo tão amado
Que eu mesma construí com meus poemas
Como um cenário ideal por mim armado
Em que fui eu o pretexto dos meus temas..

Tanta autonomia, eu sei, não dura.
Ninguém pode viver de seus delírios
Por mais que sejam fruto de candura.

Mas sinto que haverei de ser chorada
Toda cercada de rosas e de círios
Por esta branca nudez desamparada...

Terras do Porfim (de Alma Welt)

 
 
 
Terras do Porfim (de Alma Welt) 

As noites são longas nesta estância
Pois aqui as memórias são imensas
Entrando no jardim pleno da Infância
E chegando à Fonte das Carências.


Me leva, insônia, às terras do Porfim
Para além das franjas destes prados
Às vidas do poeta que há em mim,
Sete vidas, como um gato, sete fados...

Já conheço todas elas e as narrei
Em contos, novelas e poemas
Mas os seus sete sentidos ocultei

E sei que me tomam já por louca:
Escrevo torto com plumas de emas
E acho a eternidade meio pouca
...

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Soneto da Morte Anunciada (de Alma Welt)

Foto de Jaroslaw Datta
 
 
Soneto da Morte Anunciada (de Alma Welt)
 
Quanto mais viva me sinto na poesia
Menos vida tenho fora dela

Mas não me vejo a contemplar o dia
Como tímida guria na janela.

A vida é meu poema e estou nele
Como o duplo de mim em outro plano
Mesmo que assim minha sina sele
E talvez mesmo nem passe deste ano...

Pois já sou uma morte anunciada,
Que não diria um arremate inglório
Já que a Moira visitou-me na calada

E em Visão revelou-me o meu fim
E a trágica nudez do meu velório
Inusitado e tão digno de mim...


_______________________________

Eis o soneto "Visão" a que a Alma se refere no último
terceto do soneto acima e que descreve o seu inusitado velório nu:

Visão (de Alma Welt)

Ser a musa eternizada do meu pampa!
Cantar, celebrar e endoidecer
De tanto amar até saltar a tampa
Do coração e da mente, e então morrer!

Nua, estranhamente, sobre a mesa
Estendida me vejo, uma manhã:
Um desfile silencioso me corteja
De peões, peonas e algum fã.

Mas olho o meu corpo de alabastro,
Absurdo e belo ali, e não à toa
Eu noto algo nele que destoa:

Sobre a alvura do pescoço bailarino
Uma faixa vermelha como um rastro
Da corda que selou o meu destino...

03/01/2007

Nota
Dezessete dias depois deste soneto a Alma morreria, no dia 20 de Janeiro de 2007. O seu último soneto , datado de 19/03/2007, portanto na véspera de sua morte, é o famoso "A Carruagem", que o meu amigo João Roquer musicou lindamente e que constará do CD que estamos gravando...


Vejam ainda ete soneto em que a alma se refere ao seu velório nu, que ela anteviu:

Desabafo (de Alma Welt)

Eu queria não gostar tanto da vida
Pra não sofrer o fardo de morrer
E dar vexame na hora da partida
Coisa que já nem posso esconder,

Pois vivo assombrada por sinais,
Sobretudo antevisões do meu velório
Inusitadamente nu, branca e em paz
Entre as peonas e seu pranto simplório.

Tenho mesmo imensa pena de deixar
Este pampa amado e o casarão
Com tantas lembranças pra levar...

E confesso que queria a eternidade
Nem que fosse como espectro chorão
Vagando para sempre minha saudade...
 
 

domingo, 14 de outubro de 2012

Canções da Lua de Alma Welt

Guilherme de Faria e João Roquer no Estúdio Jaburu de durante as gravações das Canções da Lua de Alma Welt

 Para ouvir três das músicas do CD (letras  de Alma Welt/ duas músicas de Guilherme de Faria e uma de João Roquer):


http://br.myspace.com/my/songs

Penélope ainda (de Alma Welt)





                                         Penélope- Litografia de Guilherme de Faria

Penélope ainda (de Alma Welt) 

Esperar por alguém fazendo planos
Quando afinal nenhum de nós venceu,
Não há mais Tróia, gregos nem troianos
E Ninguém é também nosso Odisseu...

Tecer os dias aguardando na varanda
Aquele amado que foi e não voltou,
Quando por aqui tudo desanda
E o vinho nos tonéis avinagrou...

Pois nós mesmos doravante destecemos
Nossos dias, planos, sonhos, tudo,
Para sentir que ao menos não sofremos

E entramos numa espécie de apatia
Co’aquele falso canto afinal mudo
E o barco a se arrastar na calmaria..

sábado, 13 de outubro de 2012

A Chave (II) (de Alma Welt)



 
A Chave (II) (de Alma Welt)

Descobrir uma chave pra viver
É tarefa que ocupa a melhor mente
Pois não adianta apenas aprender
Aquilo que aceita toda a gente.

É preciso encontrar aquelas sendas
Que levam a bem mais altos patamares
Do pensar e viver como nas lendas
Daqueles que corriam os sete mares...

“És só criança”- me direis- “Que pueril!”
“A última a acreditar em mitos...
Acaso sonhas que navegas num barril?”

Não tonel, casca de noz é a nossa nave
Em meio a um universo de conflitos.
Eis, não a resposta, mas a chave...
 

Velhos serões (de Alma Welt)


 
Velhos serões (de Alma Welt)

Se não passei a minha vida na janela
Foi só pra não encardir os cotovelos
Como alertava a minha tia Adela,
Que vivia a enrolar fúteis novelos...

No entanto cadeirei a de balanço
Na minha velha varanda dos poentes
Que de outros ocasos tem um ranço
Pois minha avó aqui perdeu os dentes

Tricotando a balançar os seus serões
Enquanto eu enrodilhada a seus pés
Ouvia arcaicas picardias de barões

Que lembro, ela narrando casquinava
Quando ocorria um pícaro revés,
Sobre o qual, inocente, eu meditava...
 

A prenda rubia (de Alma Welt)

                              O rosto de Alma Welt- detalhe da tela Alma Welt e Jonas no ateliê, de Guilherme de Faria 

 
A prenda rubia (de Alma Welt)

Quase nada me faltou pra pertencer

E ser completa nestes campos de coxilha
Onde os gáltchos põem água pra ferver
E derramam sobre o amargo que fervilha

E montados continuam pelos longes
Com seus ponchos sob frio de granizo
Como se ainda fossem ledos monges
Que cavalgam além do Dia do Juízo

No fim do fim do mundo infinito
Onde corre o gelado Minuano
Que há quem ainda pense ser um mito

Como esta “prenda rubia”, que sou eu,
Com forte teor luso açoriano
E poeta porque o Pampa me acolheu...

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Pentimento (de Alma Welt)

 


                                                    "Pentimento"- de Nicolas Uribe

Pentimento (de Alma Welt)
 
Procurem-me aqui neste casarão
Quando tudo estiver quieto finalmente
E o vinhedo, o jardim, até o porão
For aberto, afinal, pra toda a gente.

E verão este meu quarto singelo
Com a escrivaninha dos poemas
E as cadernetas já no prelo
Abandonados o tinteiro e as penas...

E na varanda a cadeira de balanço
Onde eu restava a mirar longe
Os poentes do sol ficando manso...

E como eu, sentirão pena danada
Que do Artista o "pentimento" esponje
Nossa vida tão apenas esboçada...
 

Meus dias (de Alma Welt)



        

 Meus dias (de Alma Welt)

Os meus dias foram belos, não me queixo,
Aqui neste jardim em pleno pampa
Que pra mim é a erva, o ar o céu e o seixo
E de Pandora o vento sem a tampa

Que é o Minuano que nos coube,
A nós gáltchos, repartidos bem e mal
No começo do mundo, como eu soube
Ainda bem guria em meu quintal...

E os entes que povoam estes campos,
O pomar, o casarão e meu jardim
Salpicado pela luz dos pirilampos,

São meus amigos, e alguns até meus guias
Nas sendas que percorro dentro em mim
Para achar-me, a meta dos meus dias...

Anti-definição (de Alma Welt)


 
 EX LIBRIS ALMA WELT
 
Anti-definição (de Alma Welt)

O poema é um filho que acalma
Vindo pra salvar o casamento
Do poeta com sua própria alma,
E não um impulso de momento.

Pois a Poesia é anterior ao verso
E dele prescinde, na verdade.
Embora isto seja controverso
Há quem considere obviedade...

Traída a intimidade do seu ser,
Ao contrário dos maridos da cidade,
O poeta é o primeiro a saber...

Então, o que é, pois, a Poesia,
Já que pra uns é o culto da saudade
E pra outros só a contramão da via?
 
 
 

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

De não ouvir estrelas (Alma Welt)




 
De não ouvir estrelas (Alma Welt)

De manhã nascem os mais belos poemas,
Talvez só porque a vida se renove
E de tarde amadurece a duras penas
E à noitinha, é tristeza até as nove.

Mas à noite, profunda, dos amantes,
Tudo é sonho ou delírio, desvario,
E as estrelas, amigas inconstantes
São as conselheiras do desvio...

Não as ouçam, sob pena de loucura
Pois se esmeram em dar dúbios conselhos
Àquele duo que só amor procura.

Foi assim que os amantes de Verona
Tentaram o mergulho nos espelhos
De onde só a Morte vem à tona...
  

Anti-sereias (de Alma Welt)



Anti-sereias (de Alma Welt) 

Como é bela a vida, todos sabem,
Mesmo aqueles de vã filosofia,
Mas que na boa métrica não cabem
Ou aqueles cuja rima se atrofia,

Niilistas de plantão e contumazes
Negativos racionais empedernidos
Que dos velhos sofismas são capazes
Pra nos encher de dúvida os ouvidos

Pois seu zumbido é grato às orelhas
Mas somente como canto anti-sereias,
Que também requer cera de abelhas

E remar fazendo ouvidos moucos
Às palavras de negação tão cheias
A propor que os poetas estão loucos...

Os Retornos (IV) (de Alma Welt)



                                           Summer Fantasy - George Bellows 1882 - 1925

Os Retornos (IV) (de Alma Welt)

Ergamos nossos olhos para os longes,
Um poente vale mais que mil palavras,
Já o sabiam, não profetas, mas os monges,
Bem mais sábios e sem visões macabras.

Os serenos, os mansos e os humildes
Que ficam no jardim a regar flores
Ou a cuidar com Terezas e Matildes
Que da cozinha se elevem bons odores.

E destilem extratos e licores,
Bálsamos também, que tantos pedem,
Pra que a Vida se lembre dos amores

E num mundo triste e conturbado,
Os pequenos passos rumo ao Éden
Chamem mais humanidade pr’esse lado...
 

terça-feira, 9 de outubro de 2012

O Tesouro (de Alma Welt)




Foto: a famosa Arca da Alma, fotografada por Lucia Welt quando foi descoberta no sótão do casarão da estância Sta Gertudes, da família Welt...


O Tesouro (de Alma Welt) 


Procurei-me dia e noite todo dia
Durante a vida inteira, é o que fiz.
E é verdade que o foi pela poesia
Não de vôo condoreiro nem perdiz

Como essas de vôo baixo e curto
Sujeito a tiros ou ao puro latido...
Mas perene pelo menos e não surto,
Eu, que tanta persistência tenho tido,

Pois agora a bagagem é já tamanha
Que não pode passar despercebida
Já que é grande a arca, não tacanha.

E diverte-me a idéia de um tesouro
Que eu possa ter deixado nesta vida
Pois uma alma em verso é puro ouro...

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A Capitã Afunda (de Alma Welt)



Naufrágio ao luar, de Caspar David Friedrich

A Capitã Afunda (de Alma Welt)

Tenho a tentação de entregar-me
À melancolia, essa invencível
Que ora me assedia, milenar,
Com o fito de tornar-me mais sensível.

A quem quero enganar? Estou perdida.
Algo se me quebrou no coração
E falta-me aquele élan de vida
Que era a minha mágica e condão...

E este casarão vê arrastar-me
Pelas jornadas nostálgicas e frias
Que os anos trataram de deixar-me.

E agora sou uma triste capitã
Que afunda com a nave de poesias
Nesta louca travessia agora vã...
 

Balanço de Naufrágio (de Alma Welt)


 
Balanço de Naufrágio (de Alma Welt)

Não tenho mais a desculpa da saudade
E esta tristeza já me denuncia.
Fracassei em quase tudo, na verdade,
E o que restou é só Poesia...

Poesia a encher arcas e estantes
Como um tesouro naufragado
Ou como o segredo dos amantes
Que no fundo o sonham revelado...

Poesia que é o fica para trás
Quando nada mais pode dar certo
E o nosso desajuste é contumaz,

E sonha com bilhete, corda e banco
Ao descer da cama, mal desperto,
Antes do coração pegar no tranco...
 

domingo, 7 de outubro de 2012

Nocaute (de Alma Welt)


                                        A Stag at Sharkey’s, 1917 -  litho de George Bellows

Nocaute (de Alma Welt)

A gente se aborrece, eis a verdade,
Por mais que a alegria procuremos,
E com ela a tal graça da bondade...
O fato é que do rumo nos perdemos.

Ninguém é de ferro, é muito chato
Ser lúcido integral e nunca bobo.
Os instintos afloram, isto é fato,
E rilhamos os dentes como um lobo.

E se não podemos dar tabefe
Vamos ver nos ringues o nocaute
De um peso pesado ou mequetrefe.

E torcemos, báh, como torcemos!
Para que a gana não nos falte
Para virar o jogo que perdemos...
 

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Premissa (de Alma Welt)



Desenho de Guilherme de Faria
 
Premissa (de Alma Welt) 

Escrevemos primeiro para nós mesmos
E do que foi escrito, sem reserva,
Isto é certo, é preciso que gostemos
E que nosso seja o voto de Minerva...

Pois somos mesmo nós que decidimos
Se o nosso escrito é competente,
Se foi legítimo ou se talvez fingimos
E estávamos logrando a boa gente...

Ai do artista que perguntar a alguém:
“É bom isto que fiz? O que é que achou?”
E ainda esperando pelo Amém...

Pois Arte é certeza, é segurança,
E mostrar tudo aquilo que encontrou
Qual se fosse fácil o que se alcança...

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Ars Longa, Vita Brevis (de Alma Welt)



 
Ars Longa, Vita Brevis (de Alma Welt)

Que imensa valentia todos temos
Tão somente por viver e insistirmos
Apesar do muito que perdemos
Ao longo de tremores como sismos

Que acometem a vida mais banal,
Aparentemente a mais segura
Mas que contém também o tom fatal
Já que quase nada em nós perdura.

Mas se deixas uma obra ou um filho
Tens a chance de um pouco mais durar
Na memória de um justo ou peralvilho...

E afinal, quê mais podes querer?
Viver na tela, no papel, na relva ou ar,
Se temes tanto o mundo te esquecer...

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Minha Saga (de Alma Welt)



                                 Retrato de Anita Garibaldi

Minha Saga (de Alma Welt)

De minha janela para a vida
Foi-me dado visitar todos os vultos
Da História em mim mesma refletida,
E eu fazendo parte dos tumultos.

Estive na guerra farroupilha
Ao lado de Anita e do italiano
Quando este doido fez o plano
De arrastar navios pela coxilha...

Mas vivandeira férrea de mim mesma
Corro atrás dos meus sonhos nesta luta
Que é preencher papel resma por resma

De meu grande arquivo de memória
De guerreira, poeta e semi-puta
Na minha própria saga transitória...
 

À Margem (de Alma Welt)


Going West - de Jackson Pollok c.1934-1935

À Margem (de Alma Welt) 

Construir um mundo em mim por dentro,
Sim, foi possível, e isso é tanto!
Afinal cada um de nós é o centro
Do mundo, para si, eis o encanto

De viver, que é pura liberdade,
Mas que somente o é se consciente,
No exercício de ser humanidade
Não na norma mas só contra-corrente...

Quanto a mim, dediquei-me a construí-lo,
Meu profícuo mundo afeito às margens
Como aquela dádiva do Nilo...

Pois aqui, da minha varanda sobre o nada
Eu me debruço sobre versos e aragens
E minha terra prometida é alcançada...

domingo, 30 de setembro de 2012

A Tecelã (de Alma Welt)



                                           A Bela Adormecida- Foto de Eugenio Recuenco

A Tecelã (de Alma Welt)

Para sentir a vida miro a Morte
Sempre muito aproximada, tentadora,
Não como ameaça ou simples corte,
Bem mais como uma interlocutora...

Dela ouço estórias de arrepio
E noto-lhe a constante ironia
Com que carda e esgarça o fio
Enquanto sua roca roda e fia...

E admiro ser também a tecelã
Que produz a nossa vã tapeçaria
Destecendo o trabalho da manhã...

Mas temo, numa noite qualquer dessas,
Pretendente de que não se desconfia,
Ela mesma cobrará minhas promessas...
 

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A Visita da Jovem Senhora (de Alma Welt)

Desenho de Guilherme de Faria, 2012
 
A Visita da Jovem Senhora (de Alma Welt)

Quando a abandonar-me estou prestes
E a volúpia me toma o corpo inteiro,

Tu, dama vigilante, me apareces
Tão composta, vestida com esmero.

E ao lado do meu corrompido leito
Permaneces qual visita de doente
Até eu ter vergonha do meu peito
E cobri-lo com um gesto ineficiente.

Pois começo a sentir-me como aquelas,
Pobres mulheres das casas de Argel,
Les chiennes, nada mais do que cadelas,

Mas de outros tempos, no Oriente,
Quando minhas fantasias de bordel
Não eram só poesia decadente...

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Transfigurações (de Alma Welt)




Transfigurações (de Alma Welt)
 
De repente o olhar a vida estranha
E o mundo como que se transfigura,
Pois vemos o real como patranha
E o senso verdadeiro na loucura.
 
E é então que queremos mais viver
Para poder conhecer o novo mundo
Que assim se apresentou no alvorecer
E levou nosso olhar muito mais fundo.

Mas eis que logo vemos que persiste
Todo signo só com sinal trocado
E tudo se equivale e mais resiste...

E percebemos que tudo estava certo:
Só amamos o que outrora foi amado,
Quando do sonho estávamos mais perto...

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Os Alegres Camaradas ( de Alma Welt)




                                                Banquete- Alessandro Allori (1535-1607)

Os Alegres Camaradas (de Alma Welt)

Não percamos, amigos, o entusiasmo
E saudemos com alegria as manhãs!

Uns dos outros riamos sem sarcasmo,
E as juras evitemos, sempre vãs...

Bah! Abraços vigorosos com palmadas
Nas costas dos amigos mais valentes!
Evitem tais extremos com as amadas
A quem os beijos são mais eloqüentes...

Depois vamos à mesa dos repastos
Onde se provam os verdadeiros apetites
Como o nosso olhar por estes pastos...

E brindemos ao amor e à coragem
Renovando nossos votos e convites,
Todos nós estamos cá só de passagem!

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Desabafo (de Alma Welt)





                                                           Foto de Jarosław Datta

Desabafo (de Alma Welt)

Eu queria não gostar tanto da vida
Pra não sofrer o fardo de morrer
E dar vexame na hora da partida
Coisa que já nem posso esconder,

Pois vivo assombrada por sinais,
Sobretudo antevisões do meu velório
Inusitadamente nu, branca e em paz
Entre as peonas e seu pranto simplório.

Tenho mesmo imensa pena de deixar
Este pampa amado e o casarão
Com tantas lembranças pra levar...

E confesso que queria a eternidade
Nem que fosse como espectro chorão

Vagando para sempre minha saudade...

A Navegante (de Alma Welt)



                                                         Penélope - de David Ligare

A Navegante (de Alma Welt) 

Quantos planos deixei pelo caminho,
Tantos mapas que perdi ou portulanos
Que afinal me tirariam deste ninho
E me fariam percorrer os oceanos

Que não o figurado da coxilha
Na qual, demasiado habituada,
Me vou do casarão como uma ilha
A navegar aqui na minha sacada.

E vejo que o que vivo é puro sonho
E que pouco do que narro aconteceu
Num plano real que nem disponho.

Pois meu mundo é o mesmo dos sonetos
Com apenas duas quadras pra Odisseu
E uma Ítaca medindo dois tercetos...

Vida, ciência ou arte (de Alma Welt)


                                                          Art by Khuong Nguyen
                                                       
Vida, ciência ou arte (de Alma Welt)

Cada um de nós é uma experiência
Que a Vida faz pra mesma se afirmar.
Eis o que meu pai, em sua ciência
Concluía cultivando seu pomar.

Mas creio que a Vida é mais artista
E faz seu som sem partitura e de cor
Ou improviso, como boa musicista
Co’afinação em si e em dó maior...

É por isso que pra um nada dá certo
E destoa, ou mesmo desafina
E com a pedra topa... ou passa perto.

Aquela mesma, do meio do caminho,
Que os nossos belos sonhos mina,
E de Raimundo só temos o mundinho...
 

Anti-fadas (de Alma Welt)


                                              The Dream Tree - Ilustração de LeUyen Pham

Anti-fadas (de Alma Welt) 

A Vida é tão bonita que até dói,
Tanto mais porque costuma ser traída
Por certo antigo ciúmes que remói
De uma irmã mais feia e preterida

Que é a nossa Morte, a deserdada
Que nos assombra, assustadora,
Também desde o berço, na calada
E conspira contra nós, usurpadora...

Duas irmãs, Vida e Morte, tão rivais!
No anti conto-de-fadas de certezas
Que nos assusta com desfechos mais fatais

De um sono do qual não despertamos,
Pois no final não há valsas de princesas,
E engolimos o sapo que beijamos...
 

sábado, 22 de setembro de 2012

Sem querer (de Alma Welt)

"A Mulher do Baloneiro" - litografia de Guilherme de Faria, 1978

Sem querer (de Alma Welt)

Esperando sempre algo acontecer

Despendemos grande parte desta vida,
E esse tempo é vazio de saída
Pois não vemos o que tem pra oferecer.

Não esperem nada ou disfarcem
Numa espécie de “sem querer querendo”,
A sábia expressão de um personagem
Que quase sem querer acabei vendo...

Entretanto longe estou de dar conselhos
Porque os dar se torna insustentável
Se acaso nos miramos nos espelhos.

Então viver nossa vida ao bel prazer,
Não é conselho, mas sim recomendável,
E aconteça o que tem que acontecer...

Minhas manhãs (de Alma Welt)



Detalhe da "Primavera " de Sandro Botticelli

Minhas manhãs (de Alma Welt)

Para saudar a manhã me embelezo
Com uma escovadela nos cabelos
Além da dos dentes, que mais prezo,
E de raspar-me os loiros rubros pelos.

O banho matinal qual passarinho,
Espadanando a água se é verão,
Acompanhando de risos e gritinhos
Também é meu prazer e comunhão

De meu corpo com a amada Natureza
Que saúdo com um sonoro pum
Ao descer pro chimarrão do desjejum

E ainda pelada sob o mais leve tecido
Os pés descalços para ainda mais leveza
Corro ao Jardim como se houvera renascido...

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Para escrever (II) (de Alma Welt



 A Nau dos Insensatos -de Hieronimus Bosch

Para escrever (II) (de Alma Welt)

Para escrever... dispõe-te a escrever.
O que não é pouco nesta vida,
Que nada a isso leva a crer
Principalmente se Poesia é a escolhida.

E vais necessitar de imensa fé
Na razão de ser do Ser poético
E contra a Razão mesma ir, até
Pois nada corrobora o tom patético

Com que o poeta soa a ouvidos moucos
Dos que batem nas estacas e cavilhas
A construir a final Nave dos Loucos...

Mas se fores capaz de comover
E evocar as antigas maravilhas,
Então sossega: foste feito pra escrever
...

Babel, Orfeu e o Verbo (de Alma Welt)



 
Babel, Orfeu e o Verbo (de Alma Welt)

Como é possível viver sem escrever
Se no princípio era o Verbo e se fez Luz,
E se ao grafar o homem pode ver
A palavra que vibrando se traduz?
 
No meio da imensa algaravia
De milhões de vozes na Babel,
Cada um pensando que se ouvia
Mas só desconstruindo rumo ao céu...

Não só falar, mas escrever, talvez cantar.
É possível ser ouvido no final
Se a palavra tiver peso e iluminar...

Então voltemos à poesia que é o canto
Com que Orfeu adormecia o animal
E a Noite os cobria com seu manto...

A piorra e o carvalho (de Alma Welt)



 
A piorra e o carvalho (de Alma Welt) 

É precário o equilíbrio do viver.
Como uma piorra num barbante
Oscilamos e caímos num instante
Se deixamos a inércia nos vencer.

Há quem acredite em estar parado
Para fruir o fluxo da vida
Como um carvalho bem plantado
Que aos pássaros e homens dá guarida.

Não há como não louvar suas raízes,
Seu grosso tronco e copiosa fronde
Que a partir do outono tem matizes...

Mas sou pobre piorra desraigada
Que oscila, canta e nada esconde,
E girando mantenho-me aprumada...

“Dias de vinhos e de rosas” ou O elevador (de Alma Welt)


“Dias de vinhos e de rosas”
ou O elevador (de Alma Welt)


Se chegando ao teu fundo do poço
Não podendo descer mais então subiste
Não recordes os bons tempos de moço
Como o pássaro liberto lembra o alpiste,

Os tais “dias de vinhos e de rosas”
Quando tudo eram risos vaporosos
E as noites de delícias glamurosas
Ou delírios criativos enganosos...

Antes lembra-te daquele elevador
De que foste recolhido por vizinhos
Porque perdeste a chave e o pudor

E choravas o teu rumo perdido
E o imenso “desamparo de los niños”
Porque hablavas castellano sin sentido...

À meia noz (de Alma Welt)





                                                 Life...In A Nutshell- by Anji Johnston

À meia noz (de Alma Welt)

Ser feliz é superar ressentimentos,
Mágoas, dores e saudades renitentes
E aceitar ir à deriva nas correntes,
Ao sabor e capricho de outros ventos

Que não estão nos teus velhos portulanos
Que registram aquelas Ilhas Ideais
Que sonhas acordado há muitos anos,
Que te farão justiça e tudo mais...

Saiba então, felicidade é o contrário:
É estar no bote a olhar o céu
A meditar como mundo é belo e vário

E que nos coube ao menos meia noz
Onde sem remos e velames, e ao léu,
A cerebrina amendoazinha somos nós...

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Contra Vulgaritas (de Alma Welt)


 
Contra Vulgaritas (de Alma Welt) 

A Poesia é um olhar especial
Sobre tudo, quase tudo deste mundo,
Mesmo o obscuro e o desigual
Menos o vulgar, que é o imundo.

A vulgaridade é que é o Demônio
E o supremo mal que tudo mancha
Pois nada resiste ao anti-sonho
Que constrói na lama sem a prancha.

A vulgaridade vive e nos persegue
No recesso da alma e nos surpreende
Às vezes numa boca que a negue

Pois consiste também num certo olhar
Sobre aquele velho fruto que nos prende
E que provado nos devia libertar...

domingo, 16 de setembro de 2012

O Último Fandango (de Alma Welt)



                                                                        A Chula
 
O Último Fandango (de Alma Welt)

Esta noite quero cantos, brindes, risos,
Sejam todos meus alegres convidados!
Não mais tímidos e menos indecisos,
Quero todos galhofeiros e ousados...
 
E gritando bem alto seus amores
Sobre as mesas tacões batam e esporas
Os de botas e de mais machos pendores,
Mas também os saltos finos das senhoras...

E façamos o fandango com as chulas,
Lanças caídas e a girar boleadeiras...
Haja vinho e só sangria pros caçulas!

Esta noite vou com todos repartir,
Mas na hora da dança das cadeiras
Falte assento... que não me verão partir!
 

sábado, 15 de setembro de 2012

O Mapa Secreto (de Alma Welt)

O Jardim do Éden- de Peter Paul Rubens (1577-1640) 

 
O Mapa Secreto (de Alma Welt)

O devaneio fez parte desde cedo
De minha trajetória nesta vida,
E não o considero engano ledo
Nem tempo roubado à vera lida.

Pois sonhar assim é meu ofício
De poeta, o que incorre em lucidez
Pois o onírico não é algo fictício
Onde a tal realidade não tem vez.

O sonho é antena poderosa
De tudo o que existe e nos envolve
Não como uma nuvem vaporosa

Mas como um código secreto
Que um antigo mapa nos devolve
E o nosso Jardim deixa mais perto...


A Última Vindima (de Alma Welt)




 
A Última Vindima (de Alma Welt)

As uvas estão prontas para o vinho
E eu para pisá-las no lagar.
A safra será boa, eu adivinho,
Pois o inverno esqueceu-se de gear.

Mas estarei pronta pro destino?
O fim que se aproxima é bem vindo?
Não posso nem ouvir toque de sino
Que o coração se me vai diminuindo...

E eu choro e me lamento na vindima
Quando deveria estar sorrindo
No meio destas uvas ou em cima

Com a disposição de outrora e alegria
Quando o sonho do meu vinho era lindo
E de um cálice sinistro eu não bebia...