Amarelinha (de Alma Welt)
Minha alma tem saudades da criança
Que ela foi há muito no passado,
E lhe sente ainda a ressonância
No seu labirinto ensimesmado.
E ela me vê pular a amarelinha
E a brincar de pique e “acusado”
Quando já me encontro ali sozinha,
Sílabas a contar pelo meu prado.
Perdoa, minha alma, ter crescido
Como se fora velha de um milênio,
O coração não tendo envelhecido...
Pois, pelo contrário, me tens jovem,
Enquanto descansando de teu gênio
Contemplas esses jogos que comovem...
Este espaço é destinado às diversas séries de sonetos da poetisa gaúcha Alma Welt, que, mais genéricas, não se enquadrem nos outros blogs da poetisa, de séries mais específicas, como os eróticos, os metafísicos, etc. (vide lista de seus blogs)
domingo, 17 de junho de 2012
Poentes e Memórias (de Alma Welt)
Foto de Marc Adamus
Poentes e Memórias (de Alma Welt)
As memórias generosas que guardei
Suportam-me na escura solidão
Deste isolamento a que cheguei
Com a partida de pais, irmãs, irmão...
É verdade que me restam a Matilde
E Galdério, fiéis a toda prova,
Que me dão a medida do humilde
Senão, no orgulho meu, diária sova...
Todavia já me ponho na varanda
A fazer tão cedo este balanço
Da vida como foi e como anda.
Mas mirando os poentes deslumbrantes
Eu vejo que aqui não cabe ranço
Pois me levam tão distante como antes...
Poentes e Memórias (de Alma Welt)
As memórias generosas que guardei
Suportam-me na escura solidão
Deste isolamento a que cheguei
Com a partida de pais, irmãs, irmão...
É verdade que me restam a Matilde
E Galdério, fiéis a toda prova,
Que me dão a medida do humilde
Senão, no orgulho meu, diária sova...
Todavia já me ponho na varanda
A fazer tão cedo este balanço
Da vida como foi e como anda.
Mas mirando os poentes deslumbrantes
Eu vejo que aqui não cabe ranço
Pois me levam tão distante como antes...
sexta-feira, 15 de junho de 2012
A cortesã- desenho de Guilherme de Faria, 75x100cm
A cortesã (de Alma Welt)
Há uma cortesã que mora em mim
Embora não seja ela a única,
O que me impede oferecer-me assim
E a nudez cobrir-me com a túnica.
Cercada estou eu de alcoviteiras...
Me desculpem Matilde e a Solange,
Não esperem que me venda pelas feiras,
Mas todo casamento me constrange.
É mais fácil pensar-me mais rampeira
Oferecendo-me de graça ou por tostões
Do que aprisionar esta pampeira...
E anel jamais porão, ou uma coleira,
Nesta Alma de poesia aos borbotões,
Eu, que de mim já sou a estancieira...
A cortesã (de Alma Welt)
Há uma cortesã que mora em mim
Embora não seja ela a única,
O que me impede oferecer-me assim
E a nudez cobrir-me com a túnica.
Cercada estou eu de alcoviteiras...
Me desculpem Matilde e a Solange,
Não esperem que me venda pelas feiras,
Mas todo casamento me constrange.
É mais fácil pensar-me mais rampeira
Oferecendo-me de graça ou por tostões
Do que aprisionar esta pampeira...
E anel jamais porão, ou uma coleira,
Nesta Alma de poesia aos borbotões,
Eu, que de mim já sou a estancieira...
quinta-feira, 14 de junho de 2012
Oração ao Tempo (de Alma Welt)
Que meu tempo não seja só a espera
De conclusões ainda que felizes,
Nem o da caçada de uma fera,
Sem a fera, ou só levante de perdizes...
Que não seja mero jogo, desfastios,
Muito menos o de mil cartas marcadas,
Ou daqueles que ficaram a ver navios
E do ônibus a espera nas calçadas.
Que meu tempo não tenha sido em vão
Ou somente aperitivo pra Saturno
Enquanto o deus aguarda o seu filão.
Mas que seja eu mesma a iguaria
Enquanto avança Cronos por seu turno,
Pra devorar a mim e à minha Poesia...
quarta-feira, 13 de junho de 2012
Eu, Bacante (de Alma Welt)
Bacante - desenho de Guilherme de Faria, 1968, (a pincel nanquim e ecoline s/ papel Ingres rosado, 48 x 62,5 cm), coleção Banco Central do Brasil, Brasília DF
Eu, Bacante (de Alma Welt)
Esta noite me sonhei como bacante
Largada após orgia, desfrutada
Pelos sátiros e faunos, triunfante
Da exuberante e lúdica noitada.
Magnífico pecado, a tal luxúria!
Entre os outros o nosso preferido,
De nós, que derivamos toda a fúria
Para o sexo total e pervertido.
Mas de súbito esvai-se essa pulsão
E tímida me vejo, e até covarde
Diante da espantosa compulsão...
Eis-me então somente uma guria
Perdida em sonhos, mesmo tarde,
Do príncipe encantado que viria...
Eu, Bacante (de Alma Welt)
Esta noite me sonhei como bacante
Largada após orgia, desfrutada
Pelos sátiros e faunos, triunfante
Da exuberante e lúdica noitada.
Magnífico pecado, a tal luxúria!
Entre os outros o nosso preferido,
De nós, que derivamos toda a fúria
Para o sexo total e pervertido.
Mas de súbito esvai-se essa pulsão
E tímida me vejo, e até covarde
Diante da espantosa compulsão...
Eis-me então somente uma guria
Perdida em sonhos, mesmo tarde,
Do príncipe encantado que viria...
terça-feira, 12 de junho de 2012
No Alto da Montanha Rubra (de Alma Welt)
Alma na Montanha Vermelha -
oleo s/ tela de Guilherme de Faria, 1997, 30x40cm
No Alto da Montanha Rubra (de Alma Welt)
Ao alto fomos da montanha rubra
Lá de onde se avista o mundo inteiro,
E antes que aquele véu nos cubra
Vimos Empíreo, o vale verdadeiro.
Com um gesto revelei-o ao infante
Que comigo contemplava deslumbrado.
Duo emocionado e ofegante
Por saber estar vendo o outro lado...
Estávamos avistando o nunca visto
Aquele vale das almas e do vate
Que abrindo asas eis que escapa disto:
O corpo titânico que ainda encerra
Dioniso devorado após combate,
Lançado em corpo-cárcere na Terra...
oleo s/ tela de Guilherme de Faria, 1997, 30x40cm
No Alto da Montanha Rubra (de Alma Welt)
Ao alto fomos da montanha rubra
Lá de onde se avista o mundo inteiro,
E antes que aquele véu nos cubra
Vimos Empíreo, o vale verdadeiro.
Com um gesto revelei-o ao infante
Que comigo contemplava deslumbrado.
Duo emocionado e ofegante
Por saber estar vendo o outro lado...
Estávamos avistando o nunca visto
Aquele vale das almas e do vate
Que abrindo asas eis que escapa disto:
O corpo titânico que ainda encerra
Dioniso devorado após combate,
Lançado em corpo-cárcere na Terra...
segunda-feira, 11 de junho de 2012
Prece ao Coração (de Alma Welt)
Alma Santa, detalhe de um dos retratos de Alma Welt, de Guilherme de Faria
Prece ao Coração (de Alma Welt)
Coração, palpita enquanto é tempo
Pelo que é mesmo belo nesta vida;
Evita a disparada e o contratempo
E me põe amiúde comovida!...
Afasta o sobressalto e o aperto
Trazidos pela angústia e pelo susto;
Faz com tua cadência um bom conserto
Mesmo que me tenha um alto custo...
E se acaso tenha eu que pagar juros,
Me concede, coração, algum desconto
Pelo tanto que já paguei de apuros.
Pois amar o proibido desde infanta,
E fazer disso o meu mais belo conto
É coisa que mesmo a ti, te encanta...
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Prece ao Coração (de Alma Welt)
Coração, palpita enquanto é tempo
Pelo que é mesmo belo nesta vida;
Evita a disparada e o contratempo
E me põe amiúde comovida!...
Afasta o sobressalto e o aperto
Trazidos pela angústia e pelo susto;
Faz com tua cadência um bom conserto
Mesmo que me tenha um alto custo...
E se acaso tenha eu que pagar juros,
Me concede, coração, algum desconto
Pelo tanto que já paguei de apuros.
Pois amar o proibido desde infanta,
E fazer disso o meu mais belo conto
É coisa que mesmo a ti, te encanta...
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sábado, 9 de junho de 2012
Melancolia (de Alma Welt)
MELENCOLIA - gravura em metal de Albrecht Dürer 1471- 1528
Melancolia (de Alma Welt)
A Morte tem mil formas e a presteza
De insinuarse-nos nas dobras da vida,
Mas a mais insidiosa é a Tristeza,
Com o “mal de amor” tão parecida...
Melancolia, assim se conhecia
Entre os amigos do crepúsculo
Essa inclinação para a Poesia
A nos constringir o inquieto músculo.
E tantos tombaram nas fileiras,
Ou entre os já feridos na batalha,
Que em dores definhavam nas esteiras...
Guardai-me, Senhor, de ficar triste
Pois se de conservar o instinto falha,
Na Morte essa fronteira já consiste...
Melancolia (de Alma Welt)
A Morte tem mil formas e a presteza
De insinuarse-nos nas dobras da vida,
Mas a mais insidiosa é a Tristeza,
Com o “mal de amor” tão parecida...
Melancolia, assim se conhecia
Entre os amigos do crepúsculo
Essa inclinação para a Poesia
A nos constringir o inquieto músculo.
E tantos tombaram nas fileiras,
Ou entre os já feridos na batalha,
Que em dores definhavam nas esteiras...
Guardai-me, Senhor, de ficar triste
Pois se de conservar o instinto falha,
Na Morte essa fronteira já consiste...
sexta-feira, 8 de junho de 2012
De Cantos e Lamentos (de Alma Welt)
Litografia de Guilherme de Faria, anos 90
Não, não repartimos nossas dores,
Que cantadas viram sonho ou festa,
E eis a nossa sina de cantores,
Que a beleza é só o que nos resta.
Como amam o nosso sofrimento!
Como amamos os seus também cantar!
A dor alheia nos sacia em detrimento
Do que ao outro puder vir a custar.
Assim nada se perde ou desperdiça,
Que a vida sabe sempre aproveitar
Nem que seja em forma de carniça.
Pois pra isso serve o sofrimento,
Não pra junto com o sofrido lamentar:
Mas fruir o que é vida em seu lamento...
Festas (de Alma Welt)
As Bacantes - de Alma-Tadema
Festas (de Alma Welt)
O melhor do humano são as festas.
Não adianta... abaixo a sisudez!
Não importa se depois não prestas,
E se amanhã preferires a surdez.
Regadas a bebidas e canções,
As mulheres tornadas dadivosas
E os homens tolos crianções,
Tudo são vinhos e são rosas!...
Baco reina, haja trégua nos combates
E na louca corrida para o alto
Com a mesquinharia e seus enfartes!
Hoje reine a alegria que é de todos...
E se alguns ficarem pelo asfalto,
Depois, sim, passem os rodos!
Festas (de Alma Welt)
O melhor do humano são as festas.
Não adianta... abaixo a sisudez!
Não importa se depois não prestas,
E se amanhã preferires a surdez.
Regadas a bebidas e canções,
As mulheres tornadas dadivosas
E os homens tolos crianções,
Tudo são vinhos e são rosas!...
Baco reina, haja trégua nos combates
E na louca corrida para o alto
Com a mesquinharia e seus enfartes!
Hoje reine a alegria que é de todos...
E se alguns ficarem pelo asfalto,
Depois, sim, passem os rodos!
quinta-feira, 7 de junho de 2012
Brindemos (de Alma Welt)
Hip Hip Hurra! - de Peder Severin Kroyer, 1888
Brindemos (de Alma Welt)
Brindemos, amigos, de amor plenos
Nesta hora propícia à alegria
Quando tudo o mais é de somenos
E o momento puro é da Poesia...
Vede esses sorrisos das crianças!
Como brilham! Como as taças de cristal!
E fazem renascer as esperanças...
Será melhor, nada mais será igual!
Olhai estes rostos vigorosos,
Barbas e bigodes, também calvas,
E nós com nossos colos generosos...
E o champanhe que é só o nosso ouro,
Louros cabelos sobre nossas peles alvas,
No brinde ficarão... Tempo vindouro!
Brindemos (de Alma Welt)
Brindemos, amigos, de amor plenos
Nesta hora propícia à alegria
Quando tudo o mais é de somenos
E o momento puro é da Poesia...
Vede esses sorrisos das crianças!
Como brilham! Como as taças de cristal!
E fazem renascer as esperanças...
Será melhor, nada mais será igual!
Olhai estes rostos vigorosos,
Barbas e bigodes, também calvas,
E nós com nossos colos generosos...
E o champanhe que é só o nosso ouro,
Louros cabelos sobre nossas peles alvas,
No brinde ficarão... Tempo vindouro!
quarta-feira, 6 de junho de 2012
Os Amigos II (de Alma Welt)
Picasso, Apollinaire e amigas- por Marie Laurencin
Os Amigos II (de Alma Welt)
Como nós cantávamos e ríamos
Naquelas jovens tardes e noitadas
Sem saber que em breve iríamos
Nos dispersar assim pelas quebradas!
Amigos, cada um foi ao Destino
Que não se pode mais compartilhar,
Que o nosso espelho cristalino
Iria bem depressa estilhaçar.
E eu pergunto se nos reuniremos
Ainda que precoces decadentes
Para restaurar o que rompemos,
Pois a contar fiquei nesta varanda
As sílabas, estrelas e poentes
Por onde o coração ainda anda...
segunda-feira, 4 de junho de 2012
Os amigos (de Alma Welt)
Os Amigos - Desenho de Guilherme de Faria, 2012, 75x100cm
Os amigos (de Alma Welt)
Os amigos se reúnem nas clareiras
Entre os sonhos perdidos e o vigente;
Faunos uns, outras ninfas e faceiras,
Assim nos reunimos, somos gente.
No rosto, às vezes, máscara nos pomos,
Não somos de se por no fogo a mão,
Nem por certo que se cheire flores somos,
Mesmo sem rabo amassamos nosso pão.
Amizade é filha do imprevisto
E se do acaso levamos a bandeira
A gratuidade é passe ou visto...
Mas no fundo todos temos um só medo
Que em nós do mesmo modo cheira:
Que a vida seja só engano ledo...
_______________________________
Friends (Alma Welt)
(Google translator)
Friends gather in the gaps
Among the lost dreams and current;
Fauns some of them, other sexy nymphs,
So we met, we are people.
In the face, sometimes we put a mask
You must not to put the hand on fire for us,
For sure we do not smell like flowers,
Even without a tail we knead our bread.
Friendship is the daughter of the unexpected
And if by chance we carry the flag
Gratuity is a pass or visa ...
But deep down we all have one fear
That make us smelling the same way:
That life is just a silly mistake...
Os amigos (de Alma Welt)
Os amigos se reúnem nas clareiras
Entre os sonhos perdidos e o vigente;
Faunos uns, outras ninfas e faceiras,
Assim nos reunimos, somos gente.
No rosto, às vezes, máscara nos pomos,
Não somos de se por no fogo a mão,
Nem por certo que se cheire flores somos,
Mesmo sem rabo amassamos nosso pão.
Amizade é filha do imprevisto
E se do acaso levamos a bandeira
A gratuidade é passe ou visto...
Mas no fundo todos temos um só medo
Que em nós do mesmo modo cheira:
Que a vida seja só engano ledo...
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Friends (Alma Welt)
(Google translator)
Friends gather in the gaps
Among the lost dreams and current;
Fauns some of them, other sexy nymphs,
So we met, we are people.
In the face, sometimes we put a mask
You must not to put the hand on fire for us,
For sure we do not smell like flowers,
Even without a tail we knead our bread.
Friendship is the daughter of the unexpected
And if by chance we carry the flag
Gratuity is a pass or visa ...
But deep down we all have one fear
That make us smelling the same way:
That life is just a silly mistake...
domingo, 3 de junho de 2012
A Russa (de Alma Welt)
A Russa- desenho de Guilherme de Faria
A Russa (de Alma Welt)
Saída de romance, a russa veio
Com aquele seu mistério de "otchitchórnia" *
Vestida de espantar, pro nosso meio,
Com toucado assim, quase tricórnia...
Saída de romance, a russa veio
Com aquele seu mistério de "otchitchórnia" *
Vestida de espantar, pro nosso meio,
Com toucado assim, quase tricórnia...
E eu, guria nova e deslumbrada,
Via meu pai conversando em alemão,
Língua dele, não dela, a convidada,
O que logo me causava confusão
Com os tísicos da Mágica Montanha *
Antes que chegasse a guerra torpe
Com nova insanidade, e tamanha...
Era ela, sim, Clawdia Chauchat, *
Aquela amada pelo Hans Castorp *
Nas neves de um Berghof Shangrilá...
_______________________
Notas
* otchitchórnia- fonético da expressão russa que significa "olhos negros", famosa canção folclórica russa romântica.
* Alma alude ao célebre romance "A Montanha Mágica", de Thomas Mann, e a fascinante personagem da russa de "olhos kirguises", Clawdia Chauchat (pr. Chochá), por quem o personagem principal, o jovem tísico Hans Castorp, se apaixonou naquela Clínica para tuberculosos nos Alpes suiços, o Berghof, onde se passa o monumental romance. Alma guria associa a convidada russa de seu pai à personagem daquele saga literária, que termina com a "guerra torpe", que põe fim à Belle-Époque, a Primeira Guerra Mundial de 1914-1918.
* Berghof Shangrilá - Alma associa a Clínica Berghof com a cidade perfeita de Shangrilá, perdida em outros alpes, os do Himalaia, onde se viveria num mundo de sonho, ou fora do mundo...
Wikipedia: Shangri-la, da criação literária de 1925 do inglês James Hilton, Lost Horizon (Horizonte Perdido), é descrito como um lugar paradisíaco situado nas montanhas do Himalaia, sede de panoramas maravilhosos e onde o tempo parece deter-se em ambiente de felicidade e saúde, com a convivência harmoniosa entre pessoas das mais diversas procedências. Shangri-la será sentido pelos visitantes ou como a promessa de um mundo novo possível, no qual alguns escolhem morar, ou como um lugar assustador e opressivo, do qual outros resolvem fugir. O romance inspira duas versões cinematográficas nas décadas seguintes.
No mundo ocidental, Shangri-la é entendido como um paraíso terrestre oculto
sábado, 2 de junho de 2012
Alma na geada- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 30x40cm
No campo saio pela matinal geada,
Como vermelha e branca nave vou
Tendo na pele a sensação gelada
Da noite que a pouco se afastou.
E sinto que sou parte deste mundo
Meio dúbio de orvalho congelado
Que tudo une e mistura neste prado
E o meu amanhecer torna fecundo.
Saber que a beleza aqui me ronda
Porque ela igualmente me aprecia
Põe em mim este sorriso Gioconda...
Quantos mais versos hei de escrever então!
Se pertenço a este mundo, em si poesia,
Quão fácil é germinar como um botão...
quinta-feira, 31 de maio de 2012
Penélope - cópia romana de um original grego- coleção vaticana
Meus dias (de Alma Welt)
Meus dias foram pródigos, reconheço,
Pois em poesia os cantei como cigarra.
Mas a teia que a minha vida narra
De noite muitas vezes a desteço
Na minha espera por algo, puro amor,
A que não pude me furtar, tola que sou,
Não obstante da leitura o meu furor,
E a escrita, que tão cedo me tomou...
Mas vejo que o legado verdadeiro
Que me coube deixar como um tesouro
É esse amor, que descobri primeiro,
Que folheia os meus versos duvidosos,
E que os torna, assim, mais valiosos,
Pois que os ilumina como o ouro...
Meus dias (de Alma Welt)
Meus dias foram pródigos, reconheço,
Pois em poesia os cantei como cigarra.
Mas a teia que a minha vida narra
De noite muitas vezes a desteço
Na minha espera por algo, puro amor,
A que não pude me furtar, tola que sou,
Não obstante da leitura o meu furor,
E a escrita, que tão cedo me tomou...
Mas vejo que o legado verdadeiro
Que me coube deixar como um tesouro
É esse amor, que descobri primeiro,
Que folheia os meus versos duvidosos,
E que os torna, assim, mais valiosos,
Pois que os ilumina como o ouro...
Para uma modelo mutilada (de Alma Welt)
A modelo Uta Melle pelo fotógrafo Jackie Hardt
Para uma modelo mutilada (de Alma Welt)
Gradiva vai, diva grata gradativa
Ativa e graciosa grava a vida
Sua condição de musa ativa
Que a si mesma agrava a lida
E vai de peito aberto sem mais seios
Que ela os tem agora interiores
E se na minha retina ainda sei-os
Admirando-a não lhe farei favores.
A beleza sempre nos requer coragem
Ou se encolherá com os mil receios
Que a vida nos enseja de passagem.
Vai, pois, mulher bela e temerária
Expor tua nudez por novos meios
Que a beleza, como a vida, é vasta e vária.
Ativa e graciosa grava a vida
Sua condição de musa ativa
Que a si mesma agrava a lida
E vai de peito aberto sem mais seios
Que ela os tem agora interiores
E se na minha retina ainda sei-os
Admirando-a não lhe farei favores.
A beleza sempre nos requer coragem
Ou se encolherá com os mil receios
Que a vida nos enseja de passagem.
Vai, pois, mulher bela e temerária
Expor tua nudez por novos meios
Que a beleza, como a vida, é vasta e vária.
segunda-feira, 28 de maio de 2012
A Morte de Alma Welt- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 90x120cm
Última Oração (de Alma Welt)
Que o Fado me poupe da desgraça
De entrar em triste decadência,
Morrer velha, em feiúra e doença,
Lamentando a vida e o mais que passa.
Queria morrer jovem e no pináculo,
Mesmo que seja tamanha a minha dor
Que minha morte se erija em espetáculo
Ou confundam com antigo mal de amor.
Tudo é vaidade, percebes se te afastes...
Mas, Deus, Vós me fizestes tão bonita,
Por que assim tão mal me acostumastes?
E se na hora estranha da partida
Puder sentir que o Vosso olhar me fita,
Lembrai, Senhor, o quanto amei a Vida!
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Última Oração (de Alma Welt)
Que o Fado me poupe da desgraça
De entrar em triste decadência,
Morrer velha, em feiúra e doença,
Lamentando a vida e o mais que passa.
Queria morrer jovem e no pináculo,
Mesmo que seja tamanha a minha dor
Que minha morte se erija em espetáculo
Ou confundam com antigo mal de amor.
Tudo é vaidade, percebes se te afastes...
Mas, Deus, Vós me fizestes tão bonita,
Por que assim tão mal me acostumastes?
E se na hora estranha da partida
Puder sentir que o Vosso olhar me fita,
Lembrai, Senhor, o quanto amei a Vida!
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sábado, 26 de maio de 2012
Sonhos (de Alma Welt)
Que perdurem intocados os meus sonhos,
Se porventura não os puder realizar,
Pois que à realização lhes anteponho
O mero e simples ato de os sonhar...
Realizados vão eles se esvaindo
Em comezinha ou vã realidade.
E o sonho, que na alma era tão lindo,
Como pôde chegar à saciedade?
O tal plano do real é corriqueiro,
E se a todos serve, não a mim
Que prefiro o branco nevoeiro...
Amo as formas que se dissolvem brandas,
E anoitecendo, o perfume do jasmim
Como a denunciar por onde andas...
Trigal de Primavera (de Alma Welt)
Alma no Trigal - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2000, 30x40cm
Trigal de Primavera (de Alma Welt)
Como branca nave em mar dourado,
Adentro o trigal, embevecida,
Num momento tênue e encantado
Na coxilha a pouco amanhecida.
Colhendo flores na fímbria dourada
Coberta de orvalho como prata,
Do belo participo, emocionada,
Pois Deus me fez assim e muito grata.
E ao me rever no quadro do pintor
Que fixou este momento caro,
Sinto uma alegria e uma dor...
Pois se com o vento tudo passa,
Um flagrante da beleza é tão raro...
Que primavera assim não se desfaça!...
Trigal de Primavera (de Alma Welt)
Como branca nave em mar dourado,
Adentro o trigal, embevecida,
Num momento tênue e encantado
Na coxilha a pouco amanhecida.
Colhendo flores na fímbria dourada
Coberta de orvalho como prata,
Do belo participo, emocionada,
Pois Deus me fez assim e muito grata.
E ao me rever no quadro do pintor
Que fixou este momento caro,
Sinto uma alegria e uma dor...
Pois se com o vento tudo passa,
Um flagrante da beleza é tão raro...
Que primavera assim não se desfaça!...
quarta-feira, 23 de maio de 2012
A Travessia (de Alma Welt)
The Sin - Henry Fuseli 1741 - 1825
A Travessia (de Alma Welt)
A grande noite escura atravessei
E bem próxima do último portal,
Confesso, tive medo e estaquei
Por ter um coração frágil e mortal.
Eu via ali a sombra de mim mesma
Que me acenava assim, meio sinistra.
Era eu a minha própria abantesma
Que o meu lado escuro administra.
Então lembrei-me de outro Bardo
Que se defrontou com o Pior
Quando já destilava a flor do cardo.
E gritei pra mim: “Irei em frente,
Não poderá haver horror maior!”
E escapei de mim relando rente...
A Travessia (de Alma Welt)
A grande noite escura atravessei
E bem próxima do último portal,
Confesso, tive medo e estaquei
Por ter um coração frágil e mortal.
Eu via ali a sombra de mim mesma
Que me acenava assim, meio sinistra.
Era eu a minha própria abantesma
Que o meu lado escuro administra.
Então lembrei-me de outro Bardo
Que se defrontou com o Pior
Quando já destilava a flor do cardo.
E gritei pra mim: “Irei em frente,
Não poderá haver horror maior!”
E escapei de mim relando rente...
Gradiva (de Alma Welt)
Gradiva (de Alma Welt)
Gradiva sou, de mim vou e caminho
Para onde não importa, apenas vou
E nem mesmo vou sequer de vagarinho
Meu andar já me define como sou.
Gradiva sou, de mim vou e caminho
Para onde não importa, apenas vou
E nem mesmo vou sequer de vagarinho
Meu andar já me define como sou.
Não por elegância especialmente,
Embora a beleza viva em mim,
Mas por firmeza e decisão da mente
Coisas que são em si mesmas meta ou fim,
Não hás de ver no meu andar a sedução,
Que quando consciente é duvidosa
E cai sempre na vulgar dissipação.
Meu passo metafísica me quer
Como o intrincado signo da rosa
Labirinto da alma rubra da mulher...
_____________________________
Nota (da Wikipédia)
A Gradiva (detalhe do relevo das Aglaurides). Cidade do Vaticano, Museu Chiaramonti.
A Gradiva de Jensen (do latim, "aquela que avança", feminização de Gradivus, um dos epítetos do deus romano Marte, Mars Gradivus, isto é, "Marte que avança") é um romance publicado em 1903 pelo escritor alemão Wilhelm Jensen, que teve grande influência na cultura européia, sobretudo entre os surrealistas.
A Gradiva é de fato um baixo-relevo neoático romano, da primeira metade século II, feito à maneira das obras gregas do século IV a.C., e representa uma jovem que dança e levanta a barra de seu traje. É parte do relevo das Aglaurides - as filhas de Cécrope, cuja mulher se chamava Aglauros ou Agraulos - e está no Museu Chiaromonti, no Vaticano.[1]
O romance de Jensen foi tema do famoso estudo de Sigmund Freud O delírio e os sonhos na 'Gradiva' de W. Jensen (Der Wahn und die Träume in W. Jensens ″Gradiva″), de 1907 e inspirou vários surrealistas
terça-feira, 22 de maio de 2012
The Death of Chatterton - painting by Henry Wallis 1856
A Mansarda (de Alma Welt)
O que fazer com os sonhos descartados
Que se acumulam inúteis pelos cantos
Mesmo com os juros descontados
Daquelas mágoas, pesares e espantos
Quando vemos o que a mente guarda
Naqueles afinal momentos gratos
Em que revisitamos a mansarda
Cheia de tralhas e álbuns de retratos
E saímos atritando logo os dedos
Com a poeira que a mente não acolhe
De nossos belos e antigos sonhos ledos
Que nos jogam novamente no passado
Se esbarramos de uma gaita o fole
Que geme um triste acorde relembrado...
A Mansarda (de Alma Welt)
O que fazer com os sonhos descartados
Que se acumulam inúteis pelos cantos
Mesmo com os juros descontados
Daquelas mágoas, pesares e espantos
Quando vemos o que a mente guarda
Naqueles afinal momentos gratos
Em que revisitamos a mansarda
Cheia de tralhas e álbuns de retratos
E saímos atritando logo os dedos
Com a poeira que a mente não acolhe
De nossos belos e antigos sonhos ledos
Que nos jogam novamente no passado
Se esbarramos de uma gaita o fole
Que geme um triste acorde relembrado...
segunda-feira, 21 de maio de 2012
A Fonte da Eterna Juventude
Existe e está dentro de nós.
Ela brota do corpo em plenitude
E nos leva com ela logo após
Por uma torrente de aventuras,
De desejos e loucas ambições
Que no ápice das juvenis loucuras
Seduzem outros tolos corações.
Mas se buscas a Fonte da Alegria
Que nos acolhe o Envelhecimento,
O irmão mais esperto da Poesia,
Verás que a nossa tarde decadente
Nos oferece o seu melhor momento
Nesses fulgores dourados do Poente...
domingo, 20 de maio de 2012
O Grão-Mestre florescendo - desenho de Guilherme de Faria, de 1965, no acervo do Banco Central do Brasil, Brasília DF
O grão mestre florescendo (de Alma Welt)
Eis que estava o Grão-Mestre florescendo
Diante de toda a Ordem misteriosa
E a flor que nascia ia crescendo
Da calva lisa, árida e lustrosa.
Então a confraria incorporou
O sinal da rosa mística febril
Que este primeiro grão-mestre consagrou
Embora a rosa nunca mais se repetiu.
De onde tiras isso, ó Guilherme?
Tenho medo que a tua rosa brote
Pois da loucura há muito tens o germe.
Pois a mente do artista é ociosa:
Faz brotar flores onde quer que a bote,
E já vejo em nossa testa a mesma rosa...
O grão mestre florescendo (de Alma Welt)
Eis que estava o Grão-Mestre florescendo
Diante de toda a Ordem misteriosa
E a flor que nascia ia crescendo
Da calva lisa, árida e lustrosa.
Então a confraria incorporou
O sinal da rosa mística febril
Que este primeiro grão-mestre consagrou
Embora a rosa nunca mais se repetiu.
De onde tiras isso, ó Guilherme?
Tenho medo que a tua rosa brote
Pois da loucura há muito tens o germe.
Pois a mente do artista é ociosa:
Faz brotar flores onde quer que a bote,
E já vejo em nossa testa a mesma rosa...
Ariadne (II) (de Alma Welt)
Sacerdotisa de Creta- estatueta de faiança
Ariadne (II) (de Alma Welt)
Sacerdotisa fui na antiga Creta
De vestido armado como um plinto
E guardiã da porta mais secreta
Que levava ao próprio labirinto.
Na bronzina rês fui encerrada
Resistindo aos tormentos nas arenas
E pelo touro branco empalada,
De seu sêmen cheia até as melenas.
Então chegou enfim o estrangeiro
E traí meu genitor o cruel Minos
Por um amor afinal tão passageiro
Que depois de o ventre rechear-me,
Iria n’outra ilha abandonar-me.
Sempre a eterna teia de fios finos!
Ariadne (II) (de Alma Welt)
Sacerdotisa fui na antiga Creta
De vestido armado como um plinto
E guardiã da porta mais secreta
Que levava ao próprio labirinto.
Na bronzina rês fui encerrada
Resistindo aos tormentos nas arenas
E pelo touro branco empalada,
De seu sêmen cheia até as melenas.
Então chegou enfim o estrangeiro
E traí meu genitor o cruel Minos
Por um amor afinal tão passageiro
Que depois de o ventre rechear-me,
Iria n’outra ilha abandonar-me.
Sempre a eterna teia de fios finos!
sábado, 19 de maio de 2012
O que é o homem? (de Alma Welt)
"O que é o homem?” O príncipe indagou, *
E ele mesmo respondeu com ironia,
Talvez com amargura, se notou,
Na tal cena de horrores que vivia.
Há sempre em nós um príncipe lutando
Por nosso direito a uma verdade
Que teima em esconder-se, se esquivando,
Por medo... e mais vezes por vaidade.
“Mais sublime criação da Natureza”,
Estes seriam nossos termos ideais,
Que na fuga ficaram para trás,
Brandia pois o anjo espada tesa...
-Pra que tanta violência, ó Capataz,
Se a inocência não volta nunca mais?
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Nota
*“O que é o homem?” (O príncipe indagou) - Alma alude à pergunta contida num famoso monólogo de Hamlet, de Shakespeare (What a piece of work is a man! /... And yet, to me, what is this quintessence of dust? ( Que obra-prima é o homem!.... /E no entanto , para mim, o que é essa quintessência do pó?)
-----------
Ilustração: Adão e Eva expulsos pelo anjo- detalhe do afresco de Michelangelo, no teto da Capela Sistina, no Vaticano, Roma
O Retornado (de Alma Welt)
A Árvore da Vida - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 100x100cm
O Retornado (de Alma Welt)
Amorosos, herdaremos nós a Terra,
De retorno ao perdido Paraíso,
Renunciando ao que em nós aberra
E muito antes do dia do Juízo.
Dançaremos assim juntos de mãos dadas,
Todos à roda da Árvore da Vida.
E não mais haverão favas contadas
E a tribo não será mais dividida.
Nada de tupis e aimorés,
Apenas amores sem mais guerra,
Que o Sol bem sabe quem tu és...
E acenderemos o Fogo Sagrado
Não só pra pedir bênçãos para a terra
Mas pra saudar o homem retornado...
O Retornado (de Alma Welt)
Amorosos, herdaremos nós a Terra,
De retorno ao perdido Paraíso,
Renunciando ao que em nós aberra
E muito antes do dia do Juízo.
Dançaremos assim juntos de mãos dadas,
Todos à roda da Árvore da Vida.
E não mais haverão favas contadas
E a tribo não será mais dividida.
Nada de tupis e aimorés,
Apenas amores sem mais guerra,
Que o Sol bem sabe quem tu és...
E acenderemos o Fogo Sagrado
Não só pra pedir bênçãos para a terra
Mas pra saudar o homem retornado...
sexta-feira, 18 de maio de 2012
A Cavalgada (de Alma Welt
A Cavalgada - desenho de Guilherme de Faria, 1962
A Cavalgada (de Alma Welt)
Aqui, de noite começa a cavalgada,
A vejo, silhuetas contra a lua,
Grotesco cavaleiro, bruxa nua,
Feiticeiras e demônios da calada...
“Como podes, Alma, com isso conviver,
Tu, que o lado escuro abominas,
Se a tua alma arriscas só de ver
Essas sombras que emergem das ravinas?”
Minha alma é pura, nada temo
E a luz, Senhor, eu a amo, bem sabeis,
Negócios jamais tenho com o Demo.
Mas curiosa e temerária me fizestes
E posso me orgulhar perante os reis,
Que a força dos humildes já me destes...
A Cavalgada (de Alma Welt)
Aqui, de noite começa a cavalgada,
A vejo, silhuetas contra a lua,
Grotesco cavaleiro, bruxa nua,
Feiticeiras e demônios da calada...
“Como podes, Alma, com isso conviver,
Tu, que o lado escuro abominas,
Se a tua alma arriscas só de ver
Essas sombras que emergem das ravinas?”
Minha alma é pura, nada temo
E a luz, Senhor, eu a amo, bem sabeis,
Negócios jamais tenho com o Demo.
Mas curiosa e temerária me fizestes
E posso me orgulhar perante os reis,
Que a força dos humildes já me destes...
Saideira (de Alma Welt)
Psiqué (Alma ) - detalhe do desenho Eros e Psiqué, de Guilherme de Faria
Saideira (de Alma Welt)
Que o meu fim seja como uma noitada
Num bar boêmio em saideira de poesia,
Com uma última canção apaixonada
De um longo dia vivido em nostalgia
Da beleza de algum tempo ideal
Onde o amor fora moeda de valor
E a mulher instalada em pedestal,
A Psiqué, deusa de asa furta-cor...
Alienada, eu? Acho que não! Não creio...
Insano é o tempo que vivemos
E já provou sua falência ou a que veio.
A acreditar só que a vida é Hermes, *
Prefiro o que há além das epidermes,
Não comércio, vãs mensagens e venenos...
.
Nota
*A acreditar só que a vida é Hermes - Hermes além de simples mensageiro, era o deus grego dos comerciantes, dos médicos e alquimistas, e dos ladrões...
Saideira (de Alma Welt)
Que o meu fim seja como uma noitada
Num bar boêmio em saideira de poesia,
Com uma última canção apaixonada
De um longo dia vivido em nostalgia
Da beleza de algum tempo ideal
Onde o amor fora moeda de valor
E a mulher instalada em pedestal,
A Psiqué, deusa de asa furta-cor...
Alienada, eu? Acho que não! Não creio...
Insano é o tempo que vivemos
E já provou sua falência ou a que veio.
A acreditar só que a vida é Hermes, *
Prefiro o que há além das epidermes,
Não comércio, vãs mensagens e venenos...
.
Nota
*A acreditar só que a vida é Hermes - Hermes além de simples mensageiro, era o deus grego dos comerciantes, dos médicos e alquimistas, e dos ladrões...
Tristão e Isolda (de Alma Welt)
Tristão e Isolda (de Alma Welt)
Tristão já era triste, e a Isolda
Era isolada, mas dupla, na verdade.
Se o nosso coração o vento tolda
Embarcação assim, deter quem há-de?
Tanto mistério no canto exacerbado,
Na melopéia obsessiva e renitente,
Embora da paixão o louco fado
Ainda me cative... e a tanta gente.
Mas se por artes, Senhor, ou sortilégio,
Projetas meu amor em duplicata
Não mais respeitarei teu poder régio.
Senhor, meu rei, livrai-me desse fardo
Que não quero levar a quem me ata,
Que a tornar-me tão triste já não tardo...
quinta-feira, 17 de maio de 2012
Eu e Ulisses (de Alma Welt)
Eu e Ulisses (de Alma Welt)
Amarrei-me no mastro do meu barco
Para ouvir do coração a vã sereia
Em seu amplo espectro que abarco,
De Ulisses a Penélope da Teia.
Tudo sou: meu barco e sua chegada,
A mulher que espera o aventureiro,
E aquele que partiu de madrugada
Pra voltar mendigo em seu terreiro
Depois de conquistar a rica Tróia
Com sua eqüina dádiva de grego,
Que é um eufemismo de tramóia...
E no final, sou meus pretendentes
Massacrados pelo arqueiro sem emprego
Que não me trouxe ouro nem presentes...
Mãe (de Alma Welt)
Maternidade - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, anos 80, 50x60cm,
Um milagre comum e universal
Acontece na vida todo dia
Em cada momento terno maternal
Provando o que o homem já sabia:
Que Deus existe sim e é mulher,
Embora alguns tentem negá-lo
Por motivos espúrios, se quiser,
Ou por renitente culto ao falo.
Que força poderosa a mulher tem!
Que por sua cria ainda que leve
Arrasta uma boiada e mais o trem!
Por isso é que no meio da loucura,
Pai é um momento longo ou breve,
Mas nossa mãe a vida inteira dura...
terça-feira, 15 de maio de 2012
Álbum de Família (de Alma Welt)
A Família - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, anos 90, 70x90cm, paradeiro desconhecido
Álbum de família (de Alma Welt)
No álbum descorado, no começo,
Eu me revejo em uma outra era
Entre irmãos e irmãs que não conheço
E uma mãe mais doce (quem me dera...)
Quem fui eu, no velho tempo das anáguas?
Quem é esta, na verdade, ainda hoje,
Que neste olhar assim passadas águas,
No fluir da correnteza chama e foge?
Tudo se esmaece, a foto desmaiando,
Dia a dia menos nítida, percebo,
Que como uma aquarela vai borrando...
Então lembro que o Tempo ama o fim,
E o seu passo impaciente é tão acerbo
Que vai me apagando mesmo em mim...
Álbum de família (de Alma Welt)
No álbum descorado, no começo,
Eu me revejo em uma outra era
Entre irmãos e irmãs que não conheço
E uma mãe mais doce (quem me dera...)
Quem fui eu, no velho tempo das anáguas?
Quem é esta, na verdade, ainda hoje,
Que neste olhar assim passadas águas,
No fluir da correnteza chama e foge?
Tudo se esmaece, a foto desmaiando,
Dia a dia menos nítida, percebo,
Que como uma aquarela vai borrando...
Então lembro que o Tempo ama o fim,
E o seu passo impaciente é tão acerbo
Que vai me apagando mesmo em mim...
segunda-feira, 14 de maio de 2012
O Mágico (de Alma Welt)
O Mágico - óleo s/ duratex, de Guilherme de Faria (fase baconiana), 1972, 50x60cm (paradeiro desconhecido)
O Mágico (de Alma Welt)
Meu pai convidara um velho mágico
E o hospedou aqui na estância
Para evitar-lhe um final trágico
Na miséria mesma de sua infância.
E eu, curiosa ou deslumbrada
Fui ao seu quarto num impulso
De descobrir a coisa inusitada
Que estaria oculta no seu pulso.
Mas ele fez a pombinha aparecer
Ali, sem disfarces, na minha frente,
Poucos dias antes de morrer...
E fiquei convencida desde então
Que existe um mundo diferente
Deste nosso, este sim pura ilusão...
O Mágico (de Alma Welt)
Meu pai convidara um velho mágico
E o hospedou aqui na estância
Para evitar-lhe um final trágico
Na miséria mesma de sua infância.
E eu, curiosa ou deslumbrada
Fui ao seu quarto num impulso
De descobrir a coisa inusitada
Que estaria oculta no seu pulso.
Mas ele fez a pombinha aparecer
Ali, sem disfarces, na minha frente,
Poucos dias antes de morrer...
E fiquei convencida desde então
Que existe um mundo diferente
Deste nosso, este sim pura ilusão...
Ariadne (de Alma Welt)
Das Visões (Ariadne) - litografia de Guilherme de Faria, 1976
Ariadne (de Alma Welt)
No labirinto eu sempre me encontrei,
De mim mesma à procura toda a vida,
E o tal fio a que, da sorte, me amarrei
Me punha corajosa e atrevida.
E Teseu? Onde entra essa abantesma
Que me fez tão perdida e não achada
No labirinto interno de mim mesma
Pela paixão que perde a coisa amada?
Nesses dédalos confusos dos cassinos
Buscava um Minotauro quase nulo
Entre valetes e damas do rei Minos.
Enquanto a Alma, Ariadne de mim,
Como crisálida presa em seu casulo,
Se enredava nesse seu sonhar sem fim...
Ariadne (de Alma Welt)
No labirinto eu sempre me encontrei,
De mim mesma à procura toda a vida,
E o tal fio a que, da sorte, me amarrei
Me punha corajosa e atrevida.
E Teseu? Onde entra essa abantesma
Que me fez tão perdida e não achada
No labirinto interno de mim mesma
Pela paixão que perde a coisa amada?
Nesses dédalos confusos dos cassinos
Buscava um Minotauro quase nulo
Entre valetes e damas do rei Minos.
Enquanto a Alma, Ariadne de mim,
Como crisálida presa em seu casulo,
Se enredava nesse seu sonhar sem fim...
A Adormecida do Espelho (de Alma Welt)
A Adormecida do Espelho- litografia de Guilherme de Faria, 1976
A Adormecida do Espelho (de Alma Welt)
A mim mesma me vejo adormecida
Se duplico no desejo meus espelhos
E desdobro-me na coisa oferecida
Que começa pelo rubro dos pentelhos
E ondula na beleza tão largada
Da mulher adormecida em sua vida
Como se dormir assim não fosse nada
E o cristal não a pusesse dividida...
Não sabe finalmente a criatura
Que a imagem não liberta mas cativa
Aquela que se doa por doçura?
Aurora que se põe, pelo contrário,
Traz a morte consigo embora viva,
Lua que da noite deixa o ovário...
A Adormecida do Espelho (de Alma Welt)
A mim mesma me vejo adormecida
Se duplico no desejo meus espelhos
E desdobro-me na coisa oferecida
Que começa pelo rubro dos pentelhos
E ondula na beleza tão largada
Da mulher adormecida em sua vida
Como se dormir assim não fosse nada
E o cristal não a pusesse dividida...
Não sabe finalmente a criatura
Que a imagem não liberta mas cativa
Aquela que se doa por doçura?
Aurora que se põe, pelo contrário,
Traz a morte consigo embora viva,
Lua que da noite deixa o ovário...
sexta-feira, 11 de maio de 2012
A parábola dos sete cegos (de Alma Welt)
Construí meu destino verso a verso
Como quem bota
tijolos na parede
Ou mergulha num fundo submerso
A colher o pão da vida numa rede.
Foi sonho? Presunção? Seja o que for,
Tudo, tudo foi matéria de Poesia,
Que não pude viver sem a transpor
Para o plano real do dia-a-dia...
Ou mergulha num fundo submerso
A colher o pão da vida numa rede.
Foi sonho? Presunção? Seja o que for,
Tudo, tudo foi matéria de Poesia,
Que não pude viver sem a transpor
Para o plano real do dia-a-dia...
Mas o que é o real? Não distinguia
Seus vagos contornos nessa bruma
Onde cega tateando me movia...
E como tal apalpei o elefante
Na varanda, como outros
seis em Burma,
E não cheguei
jamais a uma constante...
Seus vagos contornos nessa bruma
Onde cega tateando me movia...
E como tal apalpei o elefante
O Tigre - Litografia de Guilherme de Faria, 1976
Semíramis e o Tigre (de Alma Welt)
Há um tigre sempre perto do meu leito...
Invisível, eu sei. E inusitado.
A Matilde lhe atribui feitiço feito,
Mas eu sei que não é encomendado
Pois a sua força é a mesma minha,
Feroz e doce ao mesmo tempo em mim,
E como aquela mítica rainha
De Babilônia passeamos no Jardim
Suspenso no espaço entre as heras
E as pastagens de Nabucodonosor
Que abandonei de mim em outras eras...
Eis meu tigre que nasce dessa fonte,
Semíramis de mim e minha dor,
Minha vida suspensa no horizonte...
Semíramis e o Tigre (de Alma Welt)
Há um tigre sempre perto do meu leito...
Invisível, eu sei. E inusitado.
A Matilde lhe atribui feitiço feito,
Mas eu sei que não é encomendado
Pois a sua força é a mesma minha,
Feroz e doce ao mesmo tempo em mim,
E como aquela mítica rainha
De Babilônia passeamos no Jardim
Suspenso no espaço entre as heras
E as pastagens de Nabucodonosor
Que abandonei de mim em outras eras...
Eis meu tigre que nasce dessa fonte,
Semíramis de mim e minha dor,
Minha vida suspensa no horizonte...
terça-feira, 8 de maio de 2012
O Eterno Cavaleiro (de Alma Welt)
O Eterno Cavaleiro - litografia de Guilherme de Faria 1977, 75x100cm
O Eterno Cavaleiro (de Alma Welt)
Sobre milhões de carcaças semeadas
Em plena pradaria, ao horizonte,
Cavalga o cavaleiro das ossadas
Com a foice que seca toda fonte
Da vida, da alegria e dos planos
Do humano em sua ingenuidade,
Que vive, luta e sofre desenganos
Sem perder do sonho a veleidade...
Que imensa hecatombe desde então
Quando o homem pisou fora do Jardim
Pela sua inconformada compulsão!
Quando afinal irá a terra se fartar
Do banho morno sobre os leitos de marfim,
Deixando o próprio Cavaleiro se deitar?
O Eterno Cavaleiro (de Alma Welt)
Sobre milhões de carcaças semeadas
Em plena pradaria, ao horizonte,
Cavalga o cavaleiro das ossadas
Com a foice que seca toda fonte
Da vida, da alegria e dos planos
Do humano em sua ingenuidade,
Que vive, luta e sofre desenganos
Sem perder do sonho a veleidade...
Que imensa hecatombe desde então
Quando o homem pisou fora do Jardim
Pela sua inconformada compulsão!
Quando afinal irá a terra se fartar
Do banho morno sobre os leitos de marfim,
Deixando o próprio Cavaleiro se deitar?
Meu Parnaso (de Alma Welt)
O Parnaso- - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2001,40x40cm. coleção particular, Piracicaba, SP
Meu Parnaso (de Alma Welt)
No monte do Parnaso estou em casa,
Perdoem a presunção que eu aparente...
Onde pastam as cabras grama rasa,
Ali entre o abismo e sua vertente,
Entre o rosa e o azul, pastos de ouro,
Está o fio real do meu soneto
Ainda que de Creta aquele touro
Me devore no penúltimo terceto.
Eis meu cenário onírico montado,
Desmentindo a planura do meu pampa
Num plano ideal reinventado...
Mas se desço à terra vou mais fundo
E perco de Pandora a minha tampa,
E o Hades é mesmo aqui no Mundo...
Meu Parnaso (de Alma Welt)
No monte do Parnaso estou em casa,
Perdoem a presunção que eu aparente...
Onde pastam as cabras grama rasa,
Ali entre o abismo e sua vertente,
Entre o rosa e o azul, pastos de ouro,
Está o fio real do meu soneto
Ainda que de Creta aquele touro
Me devore no penúltimo terceto.
Eis meu cenário onírico montado,
Desmentindo a planura do meu pampa
Num plano ideal reinventado...
Mas se desço à terra vou mais fundo
E perco de Pandora a minha tampa,
E o Hades é mesmo aqui no Mundo...
À Capela (de Alma Welt)
A Capela - óleo s/
tela de Guilherme de Faria, 1999, 175x200cm, coleção Movimento Focolare, São
Paulo
À Capela (de Alma
Welt)
Bem no meio de uma
vila no agreste
Onde quase tudo seca e pouco chove
E milagre é que alguma coisa reste.
E atraída pela construção singela
Eu entro no silêncio que ela erige
Com o seu peculiar cheiro de vela
Para onde minha alma se dirige.
Onde quase tudo seca e pouco chove
E milagre é que alguma coisa reste.
E atraída pela construção singela
Eu entro no silêncio que ela erige
Com o seu peculiar cheiro de vela
Para onde minha alma se dirige.
Então vejo montanhas de objetos:
Pernas, braços e cabeças de madeira,
Ou da matéria os seus quase dejetos.
Sofre o homem simples suas mazelas,
Trazendo sua cruz a vida inteira
Para vir depositá-la nas capelas...
Pernas, braços e cabeças de madeira,
Ou da matéria os seus quase dejetos.
Sofre o homem simples suas mazelas,
Trazendo sua cruz a vida inteira
Para vir depositá-la nas capelas...
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