segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Meu Mito (de Alma Welt)


 De mim mesma ousei fazer meu avatar...
“Que dizes?”- se espantam os mais céticos,
A tal modéstia sempre prontos a cobrar
Com seu ares e pundonores éticos...

“Não vês que passarás por cabotina,
Cantando a ti própria e no deserto,
Ou bancando tua própria cafetina
Sem sequer cliente algum que chegue perto?”

A tão banais vulgaridades eu diria:
“A modéstia da mentira é o apanágio
E das almas a suprema hipocrisia...”

Erigi em mim meu Mito verso a verso,
E tive que evitar meu próprio plágio
De tanto que amei meu universo...
 

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O Balanço (de Alma Welt)

Estou pensando seriamente em ir embora,
Na verdade nada mais tenho a dizer.
Minha passagem termina aqui e agora
Tanto no conviver como escrever...

Bah! A vida consiste em teimosia
E é tudo o que tem a ensinar:
Resistir, lutar, é a sua poesia...
Deverei a cuia e a bomba repassar?

Mas, ai! b
alanço entre os extremos,
De uma aceitação meio passiva
E uma rebeldia, assim, dos demos...

Tanto faz que me reserve ou que me doe
Oscilando, racional e instintiva...
Assim tenho eu vivido, Deus perdoe!

 

domingo, 26 de janeiro de 2014

O Naufrágio da Esperança (de Alma Welt)



                                 O Naufrágio da Esperança -Caspar David Friedrich 1824

O Naufrágio da Esperança (de Alma Welt)

Estamos, pois, navegando em alto mar,
Ou pensas que isto aqui é brincadeira?
Acaso avistas cais para atracar?
Atrás de nós somente nossa esteira...

O rumo é incerto, não há bússolas
Alguns de nós se guiam por estrelas,
Outros já a pele se abre em pústulas,
Estrelas ou feridas, vamos vê-las.

Quem na terra pense ter plantado os pés,
Ingênuo e semi-louco é certamente,
Ou vem fazendo uma leitura de viés...

Quando afinal nos apanha a tempestade
E a Esperança naufraga e nos desmente,
O portal atravessamos, na verdade...
 

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Necessidade, mãe da Poesia (de Alma Welt)

 As Parcas e o fuso de Ananke
 
Necessidade, mãe da Poesia (de Alma Welt)
 
Do necessário nasce o meu poema
E nunca de uma simples veleidade.

O soneto é bom quando não teima
Em se impor por tédio ou por vaidade.

Ananke é minha deusa universal
Que sobreviveu aos velhos deuses
E veio justo parar no meu quintal
Atravessando o Tempo desde Elêusis.

Necessidade é o que me põe ativa
E por isso me sinto tão carente
Do puro verso que me mantenha viva.

Sim, à deusa entrego meu destino
Cujo fio ela cortará co’o dente
Após tanto fiá-lo, assim tão fino...

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O Turbilhão (de Alma Welt)


William Blake- O Turbilhão dos Amantes (Francesca da Rimini e Paolo Malatesta, no Segundo Círculo, do Inferno, da Divina Comédia de Dante Alighieri)

O Turbilhão (de Alma Welt)

Temos pouco tempo pra estar juntos
Qual espectros de passage
m pela Terra
Como trêfegos projetos de defuntos,
Alguns cantando enquanto a turba berra.

Vêde: a multidão se acotovela
Nas ruas e nas praças, nos estádios,
Ou cada um empunhando sua vela
Desde as catacumbas sob os gládios.

Pobres nós, humanidade tão festiva!
No enganoso lazer após a estiva,
Quê nos resta senão rir, nos esbaldar?

Nos debatemos nas águas e nos ventos,
Abraçados abrandamos mil tormentos
No turbilhão da vida, sem pousar...

sábado, 18 de janeiro de 2014

Palavras à Poesia (de Alma Welt)


Esboço da tela O salgueiro florido da Alma - de Guilherme de Faria
 
Palavras à Poesia (de Alma Welt)

Poesia, és tênue, rara, rarefeita...
Quantas vezes não consigo te alcançar,
Ponha-me ou não em vestes de colheita 
Ou pise uvas qual se fosse no lagar...

Caminhando minhas trilhas na coxilha
Que tanto, tanto, já me viram versejar,
Temo, às vezes, me negues como filha,
E, ai Portugal, sinto perdido o meu lugar!

Sintonia busco, fina, tão difícil,
E rimas ricas que não sejam forçadas
Mas que caiam precisas como um míssil

Mas inútil se revelam, não alivia,
Pois preferes as primeiras pinceladas
Na tela do pintor quando vazia...

sábado, 11 de janeiro de 2014

A Usura (de Alma Welt)


 
 
A Usura (de Alma Welt) 

O quê podemos nós contra a Usura
Que nos cerca como sítio a um castelo,
E Pound disse ser Contra Natura
E de onde nada sai que seja belo?


Ao dinheiro todos fazem reverência
Mas refiro-me à essência e não à prática
Que pode vir cercada de excelência
Quando não se reduz à matemática...

Juros cobrados é o que nos escraviza
E faz de um homem simples, miserável,
E um solo estéril onde ele pisa.

O banqueiro é o guardião do meu Dinheiro
E se amiúde tem a face amável,
A raposa é quem guarda o galinheiro...

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Quê podemos ? (de Alma Welt)




                             O País da Cocanha - Pieter Bruegel, o Velho 1567

Quê podemos ? (de Alma Welt)

Quê podemos nós fazer que o Tempo pare
Sem fugir pra paraísos perigosos

E alienantes fumaças rastafari
Ou sonhos de Utopia preguiçosos?

Só Arte, muita arte é a resposta,
Há muito tempo a solução sabemos.
Os náufragos já foram dar à costa
Embora haja quem procure os remos...

Deus, não o demônio, Arte nos deu
E queres mais, ó ser insaciável?
Tal maravilha por acaso não valeu?

Eu sei, és homem, ingênuo ser mesquinho,
Queres voltar ao Paraíso inolvidável,
Pra isso imitas Deus só um pouquinho...

O Tempo Suspenso (de Alma Welt)




                                 Sleeping Beauty - Victor Gabriel Gilbert 1847 - 1933

O Tempo Suspenso (de Alma Welt)


Quisera suspender do Tempo o curso
Tal como implorava Lamartine

No seu lago feliz, mas sem discurso,
Que tempo não há que não termine.

Mas enquanto ele corre, que agonia!
Passa o tempo e nele a juventude
E com ela o próprio sonho que me guia
E que acalentei enquanto pude.

Mas se velha eu ficar, do que duvido,
Possa alguém, um poeta, dedicar
A esta Alma um poema nunca lido

Mas feito para mim em minha velhice
Como o soneto famoso de Ronsard
Às rosas e ao Tempo, e que este ouvisse...


_______________________________
 

Eis o soneto famoso de Pierre Ronsard (1524-1585) :

Quand vous serez bien vieille, au soir, à la chandelle,
Assise aupres du feu, devidant et filant,
Direz, chantant mes vers, en vous esmerveillant :
Ronsard me celebroit du temps que j'estois belle.

Lors, vous n'aurez servante oyant telle nouvelle,
Desja sous le labeur à demy sommeillant,
Qui au bruit de mon nom ne s'aille resveillant,
Benissant vostre nom de louange immortelle.

Je seray sous la terre et fantaume sans os :
Par les ombres myrteux je prendray mon repos :
Vous serez au fouyer une vieille accroupie,

Regrettant mon amour et vostre fier desdain.
Vivez, si m'en croyez, n'attendez à demain :
Cueillez dés aujourd'huy les roses de la vie.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

A Cigarra (de Alma Welt)


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 A Cigarra e a Formiga (gravura)
ilustração de Gustave Doré para a fábula de La Fontaine.

A Cigarra (de Alma Welt)

Fui tão feliz comigo, na verdade,
Que até me dá certa vergonha.

Ao redor, miséria e iniqüidade
Me indispõe um pouco com a fronha.

Cá neste belo pampa e casarão
O tempo se passou como num sonho.
Se plantei meus poemas no verão,
Inverno de sonetos já proponho.

Não me venha a formiga descompor
E desqualificar o meu talento
Pra rimar, metrificar, e pra compor.

A vergonha? Bem posso suportá-la.
Se outros prouveram meu sustento,
Vamos todos do vento para a vala...

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O Encontro em Samarra (de Alma Welt)




                               O encontro - foto de Geoffroy Demarquet

O Encontro em Samarra * (de Alma Welt)

Construamos nossa vida dia a dia...
Se o digo é porque há quem não o faça
E vá de roldão e à revelia,
Aos trambolhões ou em fumaça.

Viver é uma tarefa complicada
Que exige preparo e muita arte,
Do contrário tua vida é uma maçada
E é melhor tu ires a outra parte...

Na verdade não temos tal escolha
Pois temos que viver quase na marra
Antes que o Ceifador a todos colha.

Mas se pensas faltar à sua colheita
Mudando-te depressa pra Samarra,
Tens encontro, não farás essa desfeita...




*O Encontro em Samarra ( conto tradicional árabe)

"Havia um comerciante em Bagdade que mandou o seu servo comprar provisões ao mercado, e daí a pouco o servo voltou, pálido e trémulo, e disse: «Senhor, agora mesmo, quando estava no mercado, fui empurrado por uma mulher, no meio da multidão, e quando me voltei vi que fora a Morte quem me empurrara. Ela olhou-me e fez um gesto ameaçador; por isso, empreste-me o seu cavalo, e sairei desta cidade, para escapar ao meu destino. Irei para Samarra, e aí a Morte não me encontrará». O comerciante emprestou-lhe o seu cavalo, o servo montou nele, enterrou-lhe as esporas nos flancos e partiu tão velozmente quanto o cavalo podia galopar. Então o comerciante foi ao mercado e viu-me, de pé, entre a multidão; aproximou-se de mim e disse: «Por que fizeste um gesto ameaçador ao meu servo quando o viste esta manhã?». «Não foi um gesto ameaçador», respondi, «foi apenas um sobressalto de surpresa. Fiquei espantada por vê-lo aqui, em Bagdade, pois eu tinha um encontro marcado com ele esta noite, em Samarra».


Nós, Pandoras (de Alma Welt)


                                                  Pandora - Jules Joseph Lefebvre 1862

Nós, Pandoras (de Alma Welt)

Se ao fundo do Hades já descemos
E por divina graça retornamos,
Já não mais tememos deuses, demos,
E só com o Grande Chefe nós lidamos.

Fomos longe na tal bisbilhotice
Mas aconteceria, cedo ou tarde...
Povoamos esta terra de maldade
Por um pobre pecadilho, idiotice...

Mas, vêde, era só curiosidade!
A mesma da parelha original,
Tão pura e inocente, na verdade...

O mistério maior é a punição,
Que é cruel e desproporcional.
Façamos ao Supremo uma moção.
 

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

As duas datas (de Alma Welt)


 
 
As duas datas (de Alma Welt)

Quem saberá de mim, depois de tudo,
Quando meu tempo se encerrar
E não for mais que um leito mudo
Com sua cabeceira lapidar?


Duas datas debaixo do meu nome,
Sugestivas para alguns poucos talvez,
Que lembrem da obra e do renome
Da poetisa que teve sua vez...

Báh! Quanta risível veleidade
Sonhar assim ingenuamente
Com outra vida, sim, posteridade!

Mas sonhar foi toda a minha vocação,
Desde os devaneios vãos da mente
Aos delírios mais profundos da razão...

domingo, 5 de janeiro de 2014

A vida (de Alma Welt)


 

Que coisa magnífica é a vida
Se podemos quase tudo experimentar...

Por dentro, que a alma é atrevida
Mesmo que, fracos, não saiamos do lugar!

Quê vôos, que mergulhos no indizível!
Quê aventuras de coragem e emoção!
Quanta loucura por nós mesmos risível
Quando plantado se mantém o pé no chão!

Toda a vida é interior, o resto é casca,
Aparência, por mais bela que demonstra
Sua feição que o tempo-vento masca.

Mas a sombra da maldade evitemos,
Que dentro em nós também ela se encontra,
E se adentrada não deixa que voltemos...

 

Alma exausta (de Alma Welt)














Alma exausta (de Alma Welt)



O quê mais quereis de mim? Me dei inteira
E já nem posso, a rigor, me recriar
Sem me sentir na banca de uma feira
Apregoando-me às dúzias, pra fechar...


Estou exausta, na alma fui promíscua
E dei-me em pérolas a torto e a direito
Quando mais deveria ser conspícua
E conservar-me sozinha no meu leito.

Báh! Bem que dizia a minha Matilde
Para eu restar em casa sossegada
E rezar para que ficasse mais humilde.

Dos cínicos não tenho a caradura,
A cada confissão fico arrasada:
Distribuí de graça a minha loucura...

sábado, 4 de janeiro de 2014

Palavras a uma donzela (de Alma Welt)





                                       Luar- Caspar David Friedrich (modificado)


Palavras a uma donzela (de Alma Welt)

Uma donzela quis bem mais saber de mim
Tendo lido o meu último poema,

Enquanto eu, cheia de escrúpulos por fim
Me senti enternecida mas com pena.

Ah! Jovem, se soubesses minha tristeza
Por minha escolha da vida em solidão,
Embora não trocasse essa clareza
Por uma forma diferente de visão...

Optei, sim, pela suprema lucidez,
Aquela mesma do limite da loucura
Que a outros mais parece estupidez.

E se agora te atrais por minha teia,
Cuidado, donzelinha que és tão pura:
Queimam-se asas na luz da lua cheia...

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

A Senhora do Tempo (de Alma Welt)





                                                  foto: o Pampa devastado

A Senhora do Tempo (de Alma Welt)

Meus amores finalmente hão de voltar
Mesmo a terra estando pobre, devastada,

Se eu não tiver senão minha morada:
Esta casa, o jardim e o meu pomar...

Sou a senhora do tempo que foi meu
Pois que o dominei com minhas palavras
Em noites claras e outras como breu,
Em versos, minhas verdadeiras lavras.

O vinhedo? Esse foi-se com os ventos
Após tantas vindimas de alegria
Deixando agora gestos bem mais lentos...

Mas não lamento nada, que amei tanto
E plantei minha semente de poesia
No lugar das uvas secas e do pranto...

Contra a Peste (de Alma Welt)

O Doutor Peste - Máscara alemã da Idade Média

Contra a Peste (de Alma Welt)

Estar no mundo, entregue, desarmada
Só não de beleza e mente alerta
É a prerrogativa, minha, desejada
Por mim, desde que minh' alma foi desperta

Pela poesia que é dom de mergulhar
E ir mais fundo no coração das gentes
Ou mesmo o nosso então compartilhar
Com outros parecidos e exigentes...

Mas, por quê?- perguntas- O que ganhas?
Isso acaso aumentará o teu poder
Sobre o teu destino e suas manhas?

Sim, é isso mesmo, tu o disseste:
A poesia, se não aumenta o teu saber
É o único remédio contra a peste.

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Propósitos para o Ano Novo (de Alma Welt)


                              A Árvore Mágica da Alma - óleo s/ tela de Guilherme de Faria
 
Propósitos para o Ano Novo (de Alma Welt)

Queria ter um pouco de humildade,
Suficiente pra calar a minha boca

E ser um pouco mais sábia, na verdade,
Ser prudente e não mais dormir de touca.

Um pouco mais de calma e complacência
Com os tolos, os de estupidez sem fim,
Os que se afastaram da inocência
E assim nada conservaram do Jardim.

Mas saúde, mental, de preferência,
Pois reconheço meu frágil calcanhar,
Que é o meu ponto fraco de nascença.

E entrando no Ano Novo, novamente,
Os mesmos sonhos na passagem carregar,
Que sem eles, eu confesso, não sou gente...
 



 

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Poeta, Quixote (de Alma Welt)


                                 Don Quixote - gravura de Gustave Doré

Poeta, Quixote (de Alma Welt)

Um desespero surdo, longo e lento
Confluindo com o gosto de existir
Nos revela a essência do talento:
O poeta em nós vai se imiscuir...

Mas viver já não será tarefa fácil
Se nos pomos a pensar em algo mais,
No que é profundo, belo ou grácil,
Que não se afastará de nós jamais.

Pois do mundo o lado sórdido e cruel
Persiste e não é fácil ignorá-lo
Pois na boca deixa seu travo de fel.

A Poesia nasce dessa ambivalência,
Uma carga ou mesmo dose pra cavalo
Para um Don Quixote em sua demência...
 


Sonhemos (de Alma Welt)



 
 
Sonhemos (de Alma Welt)

Que seria nossa vida sem os sonhos?
O mais triste festival de ninharias,
Um desfile de espectros bisonhos
De nosso ego, e das egolatrias...


O sonho verdadeiro é universal
E, pois, comum e grato a todos nós;
O resto são miragens de quintal
Ou simples devaneios quando sós.

Sonhemos grande nesta vã casca de noz
Qual fôssemos Chopin, Liszt, Beethoven,
Ou “fantastique” como quis o Berlioz...

Se incapaz de pintar de ouro o trigo
Desses campos que os meus olhos também vêem,
Possa, ao menos, sonhando, estar contigo...

sábado, 28 de dezembro de 2013

A barlavento (de Alma Welt)




  
A barlavento (de Alma Welt)

Vão-se as dores e risos com os ventos,
Vão-se neles nossas loucas veleidades...
Então ficam nossos passos bem mais lentos
Carregados de lembranças e saudades...

Assim Frida, a minha avó, dizia,
Mas o fazia por certo em alemão,
Que como versos de Goethe soaria,
A mim, guria, sentada ali no chão.

Vão-se os anos na cruel fuga do vento
E ficam nossas lembranças ancoradas
Ou singrando na maré à barlavento.

Lá se foram avó Frida, avô Joachim,
Mas permanecem, as proas amarradas
Nesse cais petrificado que há em mim...
 

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

A Herança (de Alma Welt)


                                      A Matriarca - lito de Guilherme de Faria, anos 70
A Herança (de Alma Welt)

Quê podemos nós fazer em liberdade
E escolha, realmente, nesta vida?
Muito pouco, a rigor e acuidade,
Pois tendemos a uma trilha conhecida

Ou ditada pelos velhos preconceitos
Que herdamos com carinho das avós
E que logo se grudam em nossos peitos
Até que não se distingam mais de nós.

É preciso firmeza e mente aberta
E até mesmo uma certa crueldade
Pra sacudir esse jugo da saudade...

Então, uma suspeita nos desperta
Que era tudo ironia, na verdade,
E o contrário é que era a coisa certa...
 

sábado, 21 de dezembro de 2013

Quando (de Alma Welt)


                                        A velha casa branca

Quando (de Alma Welt)

Quando eu não desejar mais meus desejos
E o espelho já não mais mentir pra mim,
E cessarem da vaidade os ensejos
E adormecer do amor carnal o querubim,

E um estudante vier ao meu tugúrio
Saber da chave das estórias que ele leu,
Ou cotejar algum soneto espúrio
A um bom soneto tido como meu...

Eu estarei afinal mais confortável,
Deixado enfim pra trás o sofrimento
Causado pela ânsia irrefreável

De viver, viver tanto e comovida
Como se os goles de um momento
Matassem minha sede de uma vida...
 


Ponderações (de Alma Welt)

Bastaria que fôssemos mais lúcidos
Para cruzarmos os braços em espera,
Mas loucos que somos, e assim cúpidos,
Mergulhamos no prazer da nova era.

Quanta ilusão, quanta tolice egóica
Faz-nos ser quem somos, tão humanos,
Esquecida, porém, a fase estóica
Dos arcaicos guerreiros espartanos...

Hedonista se tornou o nosso mundo
E nunca foi tão grande o sofrimento,
Nunca foi nosso dilema tão profundo...

Não mais sentado no alto da montanha,
O poeta, guardião do pensamento,
Há de emergir de confusão tamanha?

Os véus (de Alma Welt)



                           Litografia de Guilherme de Faria, do álbum Reflexos, 1978


Os véus (de Alma Welt) 

Quanta súbita saudade da guria
Que fui, conquanto traga em mim

A sua ingênua crença na poesia
Como meio de manter a vida assim.

Assim, como? Assim, cheia de encanto
Como se fosse concebida e acabada
Em beleza oculta em cada canto
Ou como partitura a ser cantada.

“Não há nada mesmo fora de lugar
E nem há injustiça neste mundo;
Se tu sofres, é que em algo foste errar.”

E se eu via o mundo em perfeição
Mas já com certo medo lá no fundo,
Ai de mim, se os véus forem ao chão...

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

A inaudível trilha (de Alma Welt)



                           A Morte de Garcia Lorca- pintura de Guilherme de Faria, de 1959

A inaudível trilha (de Alma Welt)

Um certo medo surdo e persistente
Perpassa nossa vida como sombra
Ou pano de fundo inconsistente,
Rumor de nossos passos numa alfombra.

Podemos esquecê-lo por momentos
De entusiasmo ou de alegria,
Mas tão logo cessam esses ventos
O medo nos vem na calmaria.

É a Morte, já não temo nominá-lo,
Que nos assombra a existência
Como a pálida figura no cavalo...

Mas é como inaudível som de fundo
Que sinto desse medo a persistência
Em ser a nossa trilha neste mundo...
 

Os hábitos (de Alma Welt)


 
 litografia de Guilherme de Faria

 Os hábitos (de Alma Welt) 

Nossos hábitos são pequenos rituais
Que atestam nosso laço com o sagrado

Que queremos nas coisas mais normais
E não só na magia do encantado.

Milagres? É verdade... os esperamos,
Mas como resposta ao nosso tédio.
Que nos venha salvar de onde estamos,
Um poço de marasmo sem remédio...

Entretanto continua a liturgia
De nossa existência tão regrada,
Embora perpassada de poesia...

Mas se de súbito a vida transfigura
E a revelação se faz, inesperada,
Como sonho se apaga, não perdura
...

Carpe Diem (de Alma Welt)


                        Detalhe da tela "Alegoria" (Alma Welt) de Guilherme de Faria, 2013


Carpe Diem (de Alma Welt)

Quê surpresa me reservará o dia?
É a pergunta que me faço ao acordar,

Pois o verso surpreendente na poesia
É somente o que me vale confiar...

Planos, quê planos? Não funcionam.
Nossa vida não aceita imposições
E os fatos reais nos emocionam
Inesperados quando são aos corações...

Neste soneto até agora comandei,
Nada veio que me faça gargalhar
De prazer ou por um susto que me dei.

Sempre a esperar o inesperado,
Tenho antenas voltadas para o ar:
Tudo pode penetrar no meu cercado...

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O Real Imaginário (de Alma Welt)


 
 
O Real Imaginário (de Alma Welt) 

Entre o real e o imaginário,
O mito e o fato acontecido,
Entre o camelo e o dromedário
Não tenho realmente um preferido.


Mas que o caso ou fato seja belo,
E não me leve, apeada, para o chão
Das coisas corriqueiras, sem castelo,
Ou sem luar sequer, sem violão...

“És fantasista, no ar queres flutuar!
Ponha, assim, o pé na terra, sobre o pó!”
Logo dizem os que me querem desmontar.

Mas meu camelo gosta das agulhas
E as atravessa como a linha sem um nó,
E entra num céu coberto de fagulhas...

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A corda sobre o abismo (de Alma Welt)


 
 
A corda sobre o abismo (de Alma Welt)

Não podemos confiar na nossa alma
Que tem razões profundas se nos trai,
Como o coração, que não se acalma
E nos leva ao chão consigo quando cai.

“Então estamos à mercê dos desvarios?”
Me perguntas, em pânico, ao me leres...
“Sim”, respondo, direta e sem desvios:
“Não subestime as sombras, seus poderes...”

Eis porquê o poeta é aclamado
Mas logo reduzido a algum “ismo”
Que o ponha doce e acomodado.

Mas se és equilibrista, amas a corda
Com que o simples bom senso não concorda,
Estirada sobre o vasto abismo...
 

A vida é difícil (de Alma Welt)



                                             Giuliano Giuggioli, “Labirinto con cipressi”   
 
A vida é difícil (de Alma Welt)

A vida é difícil e tortuosa
Nas suas selvas e desertos, descaminhos;
Para a multidão, escrita em prosa,
E versos para os tristes e sozinhos.

Não concordam? Já começou a luta,
A nossa herança da Torre de Babel.
Não adianta evitar uma disputa,
É preciso as nossas firmas num papel.

Mas a vida verdadeira não é isso,
Mas tudo o que na solidão persiste,
Que é o nosso verdadeiro compromisso...

Entre os dois pólos extremos deste curso
Vale o amor, que por ventura existe.
O resto é acidente de percurso...
 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Nau dos Homens (de Alma Welt)


                                        A Nau de Ulysses- aquarela de Guilherme de Faria

Nau dos Homens (de Alma Welt)

Somos todos companheiros de jornada,
O milagre é estarmos aqui, juntos.
Não importa quão diversa é a fornada
Ou se então, potenciais somos defuntos.

Que haja, pois, camaradagem entre nós!
O barco tenha um rumo, senão porto,
Quer seja mesmo nossa nau casca de noz,
Balão azul, ou perdido velho horto.

Nada sabemos, vogamos às escuras.
Como não nos apoiarmos um no outro,
Se o capitão sumiu e o procuras?

Mas, heróis, voltemos de uma Tróia,
Seja o nosso cavalo tenro potro,
Toda vitória humana, vã tramóia...
 

domingo, 15 de dezembro de 2013

O Sono e os Sonhos (de Alma Welt)



                                                Ilustração de Alexander Jansson

O Sono e os Sonhos (de Alma Welt)

Vê: o sono nos foi dado em compaixão,
Os sonhos como vida alternativa,
Um consolo para a triste condição,
Ou freio para a alma mais altiva.

De quê te queixas, pois, ó agraciado
Se podes pôr tua fronte no teu braço
Se não num travesseiro amaciado
Com dois socos, e deitar o teu cansaço?


Viajemos, galguemos nossos Cáucasos,
Ou às tuas savanas torna e fiques,
Que são nossos novamente, nos dois casos.

Eis a sombra do Eterno que nos cabe!
Então sobre os teus sonhos edifiques
Pois que pra além do sono ninguém sabe...

domingo, 24 de novembro de 2013

De repente (de Alma Welt)

                                        O Salgueiro Sagrado da Alma (esboço)- pintura de Guilherme de Faria


De repente (de Alma Welt)

De repente começa o vago esforço

Pra persistir achando a vida bela;
O quadro que pintamos, mero scorzo

E sem o encanto da aquarela

Que sonhávamos fazer das nossas vidas
Que ficaram borradas pelo chão,
De tentativas vãs, mal sucedidas,
De agradar alguém mais que o nosso cão.

Mas eis que por um golpe de visão
Podemos refazer todo o percurso
E mudar o destino e a estação.

Não tem jeito de uma vida se perder
Se aceitamos mudar o nosso curso
Para o nosso mesmo sonho acontecer...

sábado, 23 de novembro de 2013

Os Amigos (IV) (de Alma Welt)

Consolação - pintura de Gaetano Belley
 
 
 
Os Amigos (IV) (de Alma Welt)

Preciosos amigos de uma vida,
Por alguma razão tão dedicados

Apesar da minha alma dividida
Entre a solidão e os agrados

Daqueles reencontros tão festivos
Com abraços apertados e tapinhas
Nas costas com sinais receptivos
De faces se encontrando com as minhas...

Agora tudo é já passado, recolhida
Prefiro esta memória dos momentos
A que tão prontamente dei guarida.

Mal sabem que os retenho assimilados
No antes da chegada dos tormentos,
Que guardei-os no melhor dos seus passados...

Francesca Da Pampa (de Alma Welt)


Francesca Da Rimini
 
 
Francesca Da Pampa (de Alma Welt)

Dói-me deixar a Terra e mais meu Pampa,
Tanto, tanto, que meu rosto desfigura
Por mais que jovem sou, de fina estampa,
Que destes campos tive a sinecura.

Pelos peões saudada, sem surpresa
Como se ainda Império houvesse,
Ao passar desde guria qual princesa
Na terra que os farrapos não esquece...

Hei de voltar, meus versos já deixei
Para que, quem sabe, não me esqueçam
(pois somente os apagando morrerei),

Mas como antiga saga romanesca,
No vento, que meus traços apareçam
Abraçada ao meu amor, como Francesca...

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

The Fortune’s Fool (Alma Welt)



              Shakespeare                                                
 
                                                  Confúcio                 Heráclito

The Fortune’s Fool (Alma Welt)
 
Somos todos bobos do Destino
Como Romeu ao vingar o bom Mercutio.
Prefiro tudo o que precede o sino
Ao que disse Heráclito ou Confúcio.

Pouca coisa faz sentido nesta vida
Que não tenha dentro o amor e arte.
Na verdade é coisa bem sabida,
Ambos da maldade a contraparte.

Mas, Senhor Deus, que criastes o vazio
Que permeia o Universo inteiro
E não nos deixa vadear o mesmo rio,

Qual o sentido, senhor, de tudo isso
Já que somos os peões do tabuleiro
De um jogo em que o rei já deu sumiço?
 

A futilidade é o mal do mundo (de Alma Welt)


                             Quiromancia - gravura em metal de Guilherme de Faria, 1962

A futilidade é o mal do mundo (de Alma Welt)

A futilidade é o mal do mundo.
Tudo mais é desculpável, francamente.
A maldade e o pensamento imundo
Com ela coabitam a mesma mente.

Imensa é do fútil a descendência,
Toda e qualquer miséria é sua filha,
Inclusive as paixões e a demência
Que faz de um continente mera ilha.

Eis porque de Satã é o seu comando,
Ele, o Grande Fútil obstinado
Desde quando iniciou o seu desmando.

Mesmo Deus, nosso Supremo Compassivo
Se enche de nojo, e exasperado
Se pergunta onde falhou, qual o motivo...

Os Fantoches (de Alma Welt)


 
 
Os Fantoches (de Alma Welt)

Basta um leve desvio no enfoque
Para a vida monstruosa se tornar;
Do belo ao horror, somente um toque
E já podemos no inferno despenhar.


Como é fina e sutil a sintonia
Que nos permite viver em plenitude
De amor, serenidade ou alegria
Ou com outro ser a completude...

Pobres de nós, fantoches do destino
Manobrados por balouçantes fios
(que o desempenho devia ser mais fino)

E no final da função, emaranhados,
Às palmas misturando-se assovios,
Quando não francamente assim vaiados...

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Alma Convexa (de Alma Welt)


 
 
Alma Convexa (de Alma Welt)

Não desprezei a sociedade, o mundo,
Muito menos os frutos da amizade.
É que em minha alma fui mais fundo
Para toda me doar, não só metade....

Quero dizer que na alma concentrei-me
Para ser de quem me ler um bom reflexo
Do espelho profundo em que tornei-me
Malgrado este olhar duplo convexo.

Então, lente em mim, incendiei-me,
Já que esta é a sina do poeta
Como disse um outro em que mirei-me. *

Mas se viver não é preciso e sim criar,
Nem por isso fui monja ou só asceta:
Todo fogo sempre a todos quer se dar...

______________________________

Nota
*Como disse um outro em que mirei-me - Alma se refere a Fernando Pessoa, no seu prefácio famoso, em que este além de prometer incendiar-se, diz, prafraseando os antigos navegadores portugueses: "Criar é preciso, viver não é preciso..."
 

A casa vazia (de Alma Welt)



 
                              A bruma - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 1977
 

A casa vazia (de Alma Welt)

Agora que as cobranças terminaram
E não podem me pedir senão poesia,

Beleza, somente, que é o que me guia,
E sempre devida aos que me amaram,

Ainda dou-me o luxo da distância,
Do silêncio e solidão contemplativa
Que emanam dos campos desta estância
De onde eu mesma sou a patativa...

Senhor, o quê quereis, que vens de longe?
Pouco posso servir além do amargo,
E não sois certamente nenhum monge...

A casa está vazia e assombrada
Mas deitareis comigo, sem embargo,
Se me amares como outrora fui amada...

domingo, 3 de novembro de 2013

Os lugares comuns (de Alma Welt)



Detalhe do quadro Alegoria
 (Alma Welt, o passado, o presente, o futuro)
de Guilherme de Faria
 
Os lugares comuns (de Alma Welt)

Contigo o que farei, maturidade,
Se carrego ainda os sonhos loucos
Que me acalentei na tenra idade,
Eu que fora sonhadora como poucos?

Dei com os burros n’água, eu desconfio,
E os amores meus se foram com a maré,
E, bom clichê, fiquei no cais a ver navio,
Depois voltei pra casa andando a pé...

Mas persisto no que os sonhos me meteram
E não serei quem maldiga ou vá cuspir
Nos pratos que comi ou me comeram...

E agora, lambendo minhas feridas,
Permaneço quando mais devo partir
E enfim me despedir das despedidas...

sábado, 2 de novembro de 2013

O Divino Engodo (de Alma Welt)


                                                Jacó engana seu pai cego - Rembrandt

O Divino Engodo (de Alma Welt)

A vida ama o engodo, estou convicta:
Pela benção do Pai, as peles quentes; *
A primogenitura nossa, invicta
Só trocando as lentilhas pelas lentes. *

Na natura um perpétuo come-come,
O mais esperto comendo o toleirão;
E isso é imoral, malgrado a fome
Que suplanta a justiça e a razão.

Como toleras, Senhor, tal maroteira?
Fazes sempre, me parece, vista grossa...
Então a Justiça é a ratoeira?

Senhor, são insondáveis teus critérios
E a única opção ainda nossa:
Entre as cinzas e o pó dos cemitérios...

______________________________

Notas

  * Pela benção do pai as peles quentes - alusão ao episódio bíblico em que Jacó engana seu pai Isac com a juda de sua mãe Raquel, usando uma pele de ovelha nas costas para obter a benção de seu pai que só a daria ao primogênito, o peludo Esaú.

*Só trocando as lentilhas pelas lentes - Alma alude ao episódio da troca do direito de primogenitura por Esaú por um prato de lentilhas (que significa pequenas lentes). Outra maroteira do Jacó contra seu irmão mais velho. O verso da Alma insinua que Esaú não o faria se tivesse uma visão maior (uma lente) e não a imediatista da fome ou da gula que produz uma visão pequena (lentilha, pequena lente)...
 

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

A Arca no Sótão (de Alma Welt)



A Arca no Sótão

“O que se foi deixemos no passado,
Do contrário caímos na esparrela
De viver novamente o mesmo fado...
E de acender de novo a mesma vela.”

“E o pavio decerto está mais curto,
Muito em breve seremos cinza ou pó.”
Com aquele riso como um surto,
Assim dizia Frida, a minha avó.

Mas eu, entre o medo e o fascínio,
Sendo a curiosidade minha marca
E com forte atração pelo declínio,

Num sótão entulhado de mobília
Garimpava no cascalho de uma arca,
Virtudes nos pecados de família...
 

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Testamento (de Alma Welt)

Poente - óleo s/ tela de Guilherme de Faria
 
 
Testamento (de Alma Welt) 

Por aqui os tais bons tempos já passaram
E contemplo agora a decadência;

Amei, escrevi livros e me amaram
E tudo isso foi feito com ardência.

Uma parte das horas foi de espera,
Que esta sempre foi a humana sina;
Jamais galguei paredes como hera,
Pois fui árvore no alto da colina.

Não deixei passar em vão um só poente
Mas também não tomei Teu santo nome,
E por isso me tomaram por descrente.

Então próxima da hora mais intensa
Não diria que matei a minha fome:
Bem mais queria, Senhor, e sem ofensa.

Ariadne do Pampa (de Alma Welt)



                               Ariadne em Naxos - pintura de Evelyn de Morgan (1877) 


Ariadne do Pampa (de Alma Welt)

Estive sempre aqui à tua espera,
Minuano, minotauro do meu fado

Já que corroboro tua quimera,
Bem cedo irei contigo ao outro lado.

Somente tu quiseste a pampiana
Solitária malgrado certo encanto
Que herdei de minha mãe, a Açoriana,
Conquanto outra voz e outro canto.

Fui bela, não serei falsa modesta...
Se como prenda não casei ou procriei
É porque olhei a vida pela fresta.

No labirinto me vi por um momento,
Nesta Naxos já enrolada me deixei
E fui de mim em vela negra pelo vento...

A roupa nova do poeta (de Alma Welt)


O rei está nu - gravura em metal de Katarína Vavrová
 
A roupa nova do poeta (de Alma Welt)

Tão ambígua é a vida do poeta
A tecer para si manto invisível

Qual roupa nova daquele rei pateta
Conquanto com nudez mais aprazível.

Pelado está o rei mas é tão belo
Que o povo se comove e quer tocá-lo
Neste seu desamparo e sem castelo
Nem folha de parreira a disfarçá-lo.

Maldaram que o rei se envergonhou
E saiu com a mão na frente e outra atrás,
Que parreira não havia ou se acabou...

Mas o poeta anda nu na passarela
Como Adão que consigo a Musa traz
Recém-saída, triunfante, da costela...


Conto de fadas (de Alma Welt)

Ofélia (A Morte de Alma Welt) - óleo/tela de Guilherme de Faria, 90x130cm 
 
 
Conto de fadas (de Alma Welt) 

De solidão e desamparo sou princesa
Absoluta em dias de declínio
E vivo numa torre de incerteza
Numa história de mim, que me imagino.

Ora, direis, essa estória é conhecida!
Toda guria sonha ser Branca de Neve,
Rapunzel ou belamente adormecida
Despertar com um beijo doce e leve...

Mas não, nada de beijo, eu vos garanto,
O reino que me coube é todo plano
E o pala neste inverno é o meu manto

Mas um misto de Hamlet e Ofélia
Descreveria bem mais meu desengano,
Ou aqueles dois suspiros da camélia...