sábado, 15 de julho de 2017

O anjo no balanço (II) (de Alma Welt)

                                        Anjo no balanço - painel lateral esquerdo do Tríptico dos Anjos da Alma, de Guilherme de Faria

O anjo no balanço (II) (de Alma Welt)

De minha vida breve fiz balanço,
Mas não comum, desses contábeis ou morais,
Mas daqueles a que a cada avanço
Corresponde um mergulho para trás.

Tentei levar na minha vida tudo junto,
O passado o presente e o futuro,
Este não como uma sombra atrás do muro
Mas como o auge de um apuro...

Em resumo, num balanço sou guria
Com aquela pura razão mesma de ser,
Que confere ao balançar sua poesia...

E aquele que me ver cobrando asa
Não se espante de um dia assim me ver,
Já que a tive e a perdi longe de casa...

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15/07/2017

O Eco do Logos (de Alma Welt)

Da Poesia a sintonia fina
É difícil de manter, ou o seu foco.
Por isso mesmo eu pouco me desloco
Do centro rigoroso que a domina.

Por um quase nada ela se perde,
Ela, a palavra em sua essência,
Eco do Logos que um ou outro herde
Por dom que às vezes passa por demência.

Quando guria fiz meu primeiro verso
E como se o mostrasse ao universo,
Correndo pro meu pai eu fui mostrar

E ele sorriu, abraçou-me e me beijou.
Nada disse, mas do jeito que me olhou
Escreveria pra voltar àquele olhar...

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15/07/207

Meus oito anos (de Alma Welt)

Me lembro de brincar na minha rua
Antes de mudar-me para a estância.
Estava no esplendor da minha infância,
Pr'um guri (eu tinha oito) fiquei nua...



Gostava dos patins de chave e roda
E dos carrinhos também, de rolimã,
Os guris os construíam, era moda,
E eles me chamavam de alemã...

E eu ali no meio deles, tão feliz,
Correndo, pegando e até brigando,
Quase perdendo a virgindade por um triz.

Meus oito anos, plenos de alegria
E do que está na raiz da minha poesia:
Um mistério de nudez, de vez em quando...

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15/07/2017

sexta-feira, 14 de julho de 2017

O Tédio e a Alegria (de Alma Welt)

"Toda alegria quer eternidade..."
Lembro bem que assim falava Zaratustra,
Mas exige outrossim simplicidade
E uma certa inocência que a ilustra.

Mas como procurar a sapiência
E ao mesmo tempo inocência resguardar?
Lá estava o Fruto da Ciência,
Lindo, rubro, capcioso, a nos tentar...

Era uma armadilha preparada
E Deus bem contava com o tédio
Que mina a ordem toda da manada...

Ele mesmo inoculou-nos a inquietude
Para a qual só a Morte é Seu remédio,
E contra o qual lutei enquanto pude...

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14/07/201

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Ó meus amados (de Alma Welt)

Ó meus amados, o que de mim esperam?
Já não tenho soluções e nem respostas,
Há muito abandonei também apostas
E nem jogo numa quina que me deram.

Conselhos? Tenho escrúpulos de dar.
Está furado o meu melhor palpite,
Vendê-los não é direito, nem pensar,
Sou barca a que falta um bom rebite...

E eu coço um pouco o cocoruto:
Então para que sirvo? (boa pergunta),
Quero dizer uma besteira mas reluto...

Amados meus, estamos todos à procura,
Quem encontrar primeiro a nós se junta
E então vamos conferir nossa loucura...

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13/07/2017

O anjo atrás do muro (de Alma Welt)




O anjo atrás do muro (de Alma Welt)

Diz a lenda: Deus um gesto fez de tédio,
E então desceu à Terra um anjo escuro
Que se esgueirou por aí atrás de muro
Buscando quem andasse sem remédio.

Solidão, este era o nome do tal anjo
Que abordava devagar algum incauto,
E se agora conto isso é porque manjo
Do assunto, pois também sofri o assalto.

Lembro de um dentre nós, um pintor ruivo
De cabelo espetado meio rente,
Que de lobo solitário tinha o uivo,

Só uma orelha, mas olhar tão apurado
Vagava em tintas por solo indiferente,
Procurando tão somente ser amado...

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13/07/2017

quarta-feira, 12 de julho de 2017

O Duelo (de Alma Welt)

Por fora, na capa, o mundo é neutro
O conteúdo? O livro está no prelo...
Mal saídos de nossa caixa de feltro
Como pistolas carregadas, de duelo,

Atiramos para o alto ou no peito?
Há momento de honra em nossa vida:
Temos de ir ao campo, não tem jeito,
Não há como fugir, não há saída.

Manhã fria, doze passos sem deslizes,
O orvalho é da relva o cobertor,
Mas faltam testemunhas e juízes...

Eis o momento, interior e crucial:
Contemplando então o frio contendor
Vemos seu rosto, que é o nosso, tal e qual...

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12/07/2017

terça-feira, 11 de julho de 2017

O rio e a espada (de Alma Welt)

Nossa vida está suspensa por um fio
Embora não possamos nos dar conta.
Como é frágil nossa vida, não um rio,
Imagem que a si mesma se desmonta.

O rio que os poetas sempre elegem,
Cristalino e correndo para o mar
Levando flores ou corpos que emergem,
Que tanta água nos induz a mais chorar...

Mas a espada de Damocles, velho mito
Me parece bem mais justa e adequada,

Nem é preciso cumprir-se todo o rito.

Se por um fio a vida me pendia,

Amor me sustentava noite e dia,
E a vida assim vivi, rindo por nada...

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11/07/2017

segunda-feira, 10 de julho de 2017

A colecionadora (de Alma Welt)

Vivo cercada de quadros e poemas,
Não há mais um centímetro de parede
E o que do mundo cai na minha rede
Vira crônica, soneto, ou são só temas

Que coleciono assim, ávida, voraz,
Por não levar o mundo muito a sério
Mas com curiosidade contumaz,
Uma vez que quase tudo tem mistério.

Mas não pensem que não sou uma pecadora
Não me envolvo de verdade com o humano,
Que não passo de uma colecionadora...

Tenho um sonho recorrente: era vadia,
Pouco pano e na vida a todo pano,
Justamente porque isso mais doía...

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10/07/2017

A pomba o corvo (de Alma Welt)

Errar é o que produz nossos enredos
E o erro, mais história que os acertos.
Nossa vida é uma crônica de medos
Com momentos de ar entre os apertos.

Báh! Alma, incorrigível pessimista!
Dizem os que ainda esperam a pomba
Chegar com o tal raminho como pista
De que não cairá uma nova tromba...

Mas eu que não esqueço o velho corvo,
Penso que ele está aí no mundo
Mais à cata do que produzindo estorvo.

E me lembro de quanto eu o prezava
Com aquele seu negror profundo,
De como ele "jamais" me enganava...

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10/07/2017

domingo, 9 de julho de 2017

Juízes (de Alma Welt)

Me prometi não julgar outros humanos,
Permanecendo neutra e compassiva.
Mas, Deus meu, como é difícil ser passiva,
E embrulhar a vida em quentes panos!

Se vejo o mal no homem, sem remédio,
Tanto mais fico tentada a condenar,
Como se Deus precisasse de intermédio
Já que tem muito mais pra se ocupar.

Mas me dou conta que isso tudo é Tentação
E o Canhoto quer nos ver como juízes
Pois bem nos sabe o custo da Razão...

Mas como não condenar aquele bando
Que vem os frutos do trabalho nos roubando,
Já que, Senhor,  por um fruto nos maldizes?
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09/07/2017

sábado, 8 de julho de 2017

Belas manhãs de inverno (de Alma Welt)

Belas manhãs de inverno, de sol frio,
Com geada sobre a relva da coxilha...
Saudar a natureza era meu brio
A caminhar, passos largos pela trilha.

Ainda o faço, na verdade, enregelada,
Mas aquelas manhãs me voltam logo,
Em que eu era feliz, tão encantada
Como voltar a se-lo às vezes rogo...

Mas me parece carregar um peso a mais
Que não do corpo esbelto e flexível,
Mas sim do que na mente a gente trás:

Carga de novos pensamentos e a lembrança
Que certo eco devolve em outro nível,
Não o mesmo daquela pura infância...

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08/07/2017

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Oração perplexa (de Alma Welt)

Sabermos tão pouco na vida, do bom Deus,
Tanto mais nos arrogando teologias:
Coisa de rir, como a certeza dos ateus
Ou a crença material das utopias...

Perdoai-me, Senhor Deus desconhecido,
Não ouso nem dizer que Vos conheço;
Pouco sei de onde estou, do acontecido,
Ainda menos de onde vim ou meu começo...

Perplexa numa terra de aventura
Como cega tateando em tiroteio,
Nau faminta, deito sortes à ventura...

Mas, ó Senhor, meu coração se inclina
Pro Vosso lado, jamais me pus no meio,
Sobre o muro, sei, está a pior sina...

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07/07/2017

quinta-feira, 6 de julho de 2017

O tabuleiro (de Alma Welt)

Lentamente preparados para a vida,
Ou jogados no campo de batalha,
Somos seres de dor ou acolhida,
Mas colhidos, afinal, na fina malha.

Então lá vamos nós com toda a armada
Àquele campo onde ovelha vira lobo...
A vida é uma tragédia anunciada
E o mais feliz da Corte é sempre o Bobo.

Ponham cartas, senhores, peças movam,
Tabuleiro é melhor, quadriculado,
Ora no bem, ora no mal, alguns só louvam.

Mas no jogo de xadrez falta o coringa
Pois ele habita as margens, na restinga,
E ri de nós qual seja o resultado...
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06/07/2017

terça-feira, 4 de julho de 2017

A Porta e a fila (de Alma Welt)

Nosso Deus nos mantém na ignorância
Do que verdadeiramente nos importa.
Ele bem conhece a nossa ânsia,
Na fila de entrada ao pé da Porta.

Seguir missa eu tentava no domingo,
Mas já me contorcia em agonia
Pensando mais no tal "pé de cachimbo"
E na sua importância pra a Poesia...

Senhor Deus, perdoai a minha mente
Que só guarda da oração aquela parte
Que fala do que a pobre gente sente,

Nas lágrimas do vale e desta vila,
Que não dá pra eu pensar senão na Arte
E de como ela nos faz furar a fila...

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04/07/2017

O arrebol ou Um grão dos milhos (de Alma Welt)

Ah! meus amigos, que enrascada,
Em que fomos nos meter por esta vida!
Quantos perigos, uns de emboscada,
No meio da floresta anoitecida

Que é a nossa vida surpreendente
Por ser somente, assim, desconhecida,
E que foi jogada qual semente
Do claro para o escuro, e desabrida

De novo à essa luz que nos ofusca...
Não podemos, reparem, olhar o sol
Quando a luz é tudo que o olhar busca.

Deus brilha demais, mas nos deu cílios
Para filtrar a Sua luz, e o arrebol
Que é uma palhinha só, seu grão dos milhos...

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04/07/2017

Os amigos se vão (de Alma Welt)

(para Celina Lima Verde, in memoriam)

Os amigos estão indo, eles se vão,
E não nos pedem licença, simplesmente,
Num piscar de olhos, deixam-nos na mão,
Desaparecem, sem mais, na nossa frente.

Abandonam-nos, os amigos tão queridos,
Como se fosse, assim, algo possível,
Sem saberem que guardamos comovidos
A imagem sempre viva, imperecível

De sua passagem adorável e dos dias
Em que fomos tão felizes, ou nem tanto,
Mas rindo à beça ao escapar das frias...

Já os guris se vão, como se afoitos,
Aventureiros, por quê pro mesmo canto?
Deve haver algo lá mais que biscoitos...

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04/07/2017

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Dentro e fora (de Alma Welt)

Temos muito que fazer, limpar a casa,
Varrer, bater os bons tapetes nos varais,
Espanar, lustrar, lavar, polir os metais,
Cuidar daquele cano que ainda vaza...

Prendas domésticas, Alma, a esta altura?
Bem, desculpem, não me peguem no concreto;
Falo sempre de dentro, ou na mistura
Da alma com a matéria, pra dar certo.

Dentro e fora, a vida é dupla ou dúbia
E vivemos nos dois reinos, na fronteira
Um pé em cada lado, Egito e Núbia.

De um lado, o antigo e grandioso,
Do outro, negro, igualmente belicoso,
Enquanto te preparas pra ir à feira...

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03/07/2017

domingo, 2 de julho de 2017

Não dá assunto (de Alma Welt)

Malgrado de alegria uma vontade,
Báh! Como é triste, senhores, o destino
Comunal de toda a humanidade
Regida pelas regras do intestino...

Animaizinhos somos, e engraçados,
Correndo amiúde ao WC,
Os ricos tanto quanto os despojados,
A realeza tanto quanto eu e você.

"Minha filha,"- meu pai disse-"sinto muito,
Não fale jamais do baixo ventre,
Te asseguro que não deve dar assunto"...

"A nós foi dada também dignidade,
Uma aura a cada um que chegue e entre,
O resto todo é tão só necessidade"...
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02/07/2017

Sem Razão (de Alma Welt)

"No Céu querer entrar, às custas da razão
É como apresentar fruto roubado
Ao proprietário o hóspede ladrão
Como um tolo ainda disfarçado..."

O padre no domingo assim pregava
Na nossa capela lá na estância,
E eu guria, perplexa e em ânsia:
"Como faço para entrar?"( assim pensava).

Então diante do padre me ajoelhei
No confessionário um certo dia.
Candidamente, muito séria, perguntei:

"Senhor padre, eu não mais quero ter razão,
Como faço pra escrever minha poesia
Sem palavras, e tão só com o coração?

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02/07/2017

sábado, 1 de julho de 2017

Palavras ao Senhor (de Alma Welt)

Finalmente haverá segunda chance
E teremos afinal paz alcançado?
Teremos dobrado o nosso alcance,
Entenderemos um pouco do riscado?

Ao Vosso lado finalmente sentarei
À mesa de um banquete. Sóbrio ou lauto?
Minha fome de saber terá cessado?
O banquete é interrompido pelo arauto?

Saberemos afinal a que vem tudo?
Cessará toda a minha inquietação?
Finalmente o coração estará mudo?

Senhor, falo demais, sou falastrona!
Boa fé faz outro tipo de oração?
Mas pelo menos, Senhor, não sou chorona...

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01/07/2017

sexta-feira, 30 de junho de 2017

A Cornucópia (de Alma Welt)

Mil sonetos, e nenhum é uma cópia.
"És uma esganada"- diz um amigo-
"Assim esgotarás a cornucópia,
Se trata de poesia e não de trigo."

Mas se Deus me permitiu o copioso
Não a cópia de mim mesma, mãos à obra.
Só Deus é realmente generoso:
Fez estrelas demais e quem O cobra?

Quanto a mim, sou suspeita até de vício,
Pois se paro de escrever, eu fico louca,
Tenho mais de uma moral, como Vinício. *

Falo sério... escrever é minha missão
Dada por Ele, e por certo não é pouca,
Deus sussurrou-me para carregar na mão...

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30/06/2017

Nota
*Tenho mais de uma moral, como Vinício - perguntado por uma jornalista, como ele podia fazer tantas coisa, como escrever poemas, fazer canções, cantá-las, escrever crônicas, e ainda cultivar os amigos, Vinícius respondeu. " É que eu sou plural, do contrário meu nome seria Vinício de Moral... (rrrrrrss)

Aviso aos navegantes (de Alma Welt)

Repasso muitas vezes no meu íntimo
Inteira a minha vida, num balanço,
Com rigor nos detalhes, desde o ínfimo
Pecadilho, de que ainda sinto o ranço.

A vida é um encadear de circunstâncias,
E sob um olhar assim só há justiça;
A perda é pois um fruto de ganâncias,
Não se amarra cachorro com linguiça.

Pedir perdão a Deus, só resta então
E também a quem tenha machucado
Ou porventura a quem não pude dar a mão.

Bom cabrito não berra, diz o povo,
Pois aviso aos navegantes nos foi dado:
Honestamente não pões de pé um ovo...

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30/06/2017

quinta-feira, 29 de junho de 2017

A grande lembrança (de Alma Welt)

Bem queria só lembrar dos tempos velhos
E para trás também deixar o atual,
Certamente não como escaravelhos
Rolando bosta, de costas, no terral...

Mas sim ter uma visão mais fidedigna
Do que foi a minha infância, de verdade,
Sem a pílula dourar, ou mais indigna,
Lamentando as perdas com saudade...

Entretanto minha infância está em mim
Bem entranhada na pele que me compõe,
Mas de uma noite o cheiro do jasmim:

Ali estou eu, guria em branca saia,
Já tentada com o que um guri propõe,
Antes que a memória se me esvaia...

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29/06/2017

O argueiro e a trave (de Alma Welt)

Aos idiotas façamos vista grossa
Mas não ao Mal em si, que é muito grave.
No olho deles o argueiro apenas coça,
Mas no teu próprio olho é uma trave.

É o que Jesus dizia (mais ou menos),
E quem somos pra sequer entrar no mérito?
Sua palavra não é problema de somenos
Mas levanta questões para um perito...

Não à toa lancei mão da falsa rima
Pra da minha professora me vingar:
"Guria tola, mude o acento de lugar!"

Mas já estou divagando e me perdi...
Comecei com a melhor matéria prima,
E o argueiro no olho alheio apenas vi...

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29/06/2017

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Politicamente incorreta (de Alma Welt)

Tenho vontade, muitas vezes, de gritar,
Como Pessoa morder a fundo a mão *
De tão cruel insensatez nos rodear
Sem que possamos sair na contramão

Da torrente invasiva da manada
Que se declara correta na política
Contradizendo toda a noção crítica,
Invertendo a razão por Deus nos dada.

Mas não entrar nessa polêmica jurei,
Para ficar naquele plano ingenuo só,
De Amor, que verso a verso semeei.

E se me permitem e me perdoam,
Volto ao jardim maternal de minha avó,
Antes que as minhas mãos meus dentes roam...

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28/06/2017

Nota
*Como Pessoa morder a fundo a mão - Alma se refere a Fernando Pessoa e estes versos do poema Opiário, das Ficções do Interlúdio, do heterônimo Álvaro de Campos:

"Tenho vontade de levar as mãos
E morder nelas fundo e a mal.
Era uma ocupação original
E distraía os outros, os tais sãos. "

A sabedoria das avós (de Alma Welt)

Talvez eu tenha pouco a acrescentar
Ao saber que o povo simples acumula
E que somente rebaixado vai faltar
Na praça, em rebelião, à turba fula...

Me refiro, sim, àquele comum senso,
E ergo loas ao popular acervo
De ditos, rimas e ditados, já tão denso
Que sem eles um discurso "dá no nervo".

Mas para cair bem uma anedota
É necessário o contador saber o vão
Em que introduzir sua colher torta.

Quão pedante o político ou poeta,
(se o geral entendimento é sua meta),
Que de um dito de sua avó não lança mão...

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28/06/2017

terça-feira, 27 de junho de 2017

Um dia mais (de Alma Welt)

https://youtu.be/rvE7aM66-BM

Um dia mais (de Alma Welt)

Um dia mais, tal como aquele da canção
Dos Miseráveis, no mundo ainda ecoa,
E me põe esperançoso o coração:
Viver um dia mais, nem que me doa.

Nas ruas, pra tirar a tirania
Ou dentro de um quarto em frente à tela
Com aquele entusiasmo que havia
No tempo da candeia ou luz de vela.

Barricadas de clamor, furor sagrado
Na luta que é do povo, por direito
De nunca, nunca mais ser enganado.

Este amor ao povo em seu conjunto
Me comove por ainda o ter no peito
Um dia mais, mais um dia, e canto junto!

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27/06/2017

O sonho do rei nu (de Alma Welt)

Ter um soneto ao menos cada dia,
Que não me falte, Senhor, senão eu morro.
Dodecassílabo, sim, eu preferia,
Uma certa mania em que incorro...

Cada qual com a sua loucura, bem sabemos,
E quem pode me julgar por tal conduta
Se forçados demais há já nos remos
E meu dia é sonho e não labuta?

Não faço mal algum, eu sei que é pouco,
Pros que gostam mais de espinhos que da rosa
E me veem acalentando um sonho louco.

Mas sonhar sonhos é tudo o que eu sei,
Não ideais de origem duvidosa
Mas dos que fazem dum ser nu, um belo rei...

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27/06/2017

Manhã fria ou As botinas de Van Gogh (de Alma Welt)

                                                                     As botinas de Van Gogh

Manhã fria 
ou As botinas de Van Gogh (de Alma Welt)

Não diria, ó manhã fria e enevoada,
Que da desesperança és o inverno, *
Mas acordo feia e estremunhada
Pensando na madeira de um tal terno *

Em vez de meu vestido branco e longo
Em que costumo andar por esse campo
Colhendo ervas, flores e um ditongo
Que usarei num verso oblíquo e manco.

Como parece inútil essa rotina
Em que tudo, cedo ou tarde, se transforma
Não como de Van Gogh a sua botina

Cheia da dignidade da pobreza
Que de palha um acento humilde forma *
Do pobre artista o trono em realeza...

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27/06/2017

Notas
*Que da desesperança és o inverno - alusão ao famoso primeiro verso do monólogo do rei que abre a peça Ricardo III, de Shakespeare; "Este é o inverno da nossa desesperança... "

*Pensando na madeira de um tal terno- Alma alude a um caixão de defunto, isto é, morrer (na imagem popular: "vestir um terno de madeira")

*Que de um velho acento humilde forma
do pobre artista o trono em realeza - alusão a um outro quadro famoso de Van Gogh, o de sua cadeira de acento de palha...


segunda-feira, 26 de junho de 2017

O Farol (de Alma Welt)

O mundo inteiro está dentro de nós
E saberemos se cessarmos o barulho
Como um rio desaguando em sua foz
Num poder imenso em seu marulho...

Ouçamos o silêncio dessas águas
Como também a sua fúria colossal;
Esqueçam seus fracassos, suas mágoas
Que estas fazem um ruido tão banal...

Mas seremos um farol ou o faroleiro
Se conscientes da nossa utilidade
Fazemos o que é justo e verdadeiro

E acendemos um espelho sob a derme
Que se alimenta do fogo da Verdade
Que a Terra exige ao menor verme...

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26/06/2017

domingo, 25 de junho de 2017

Extremada (de Alma Welt)

A vida guarda nossos passos, mal ou bem.
Não passamos, no geral, em nuvem branca.
Alguns de nós agem só como convém,
Outros dispostos a até quebrar a banca.

O mundo é confuso, heterogêneo,
Mas do caos vez por outra nasce a flor
Que fará a diferença, que é o gênio,
Que nos restaurará a fé e a cor...

Sem Mozart Van Gogh e até Rimbaud
Se eu mesma conseguisse ter vivido,
Sem Beethoven eu preferia ter morrido.

Mas se me dizes: "Chega disso, Alma, pô!
Sempre extremada em teus dizeres!"
Eu então fico bem grata por me leres...

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24/06/2017

sábado, 24 de junho de 2017

Sobre a Luz (de Alma Welt)

O mundo não é só aqui e agora
Mas toda a sua trajetória desde a Luz
Que rompendo as trevas, muito embora
Alguns a evitemos, nos conduz...

Quem não se atrairia por seu brilho
Ao menos como simples mariposa
Ou como as galinhas pelo milho,
Ou então por estas mesmas a raposa?

Efeméridas diante da eternidade
Nossa vida é um piscar vista de longe
E mal chegamos a ser vistos de verdade.

Mas se Amor acrescentarmos à fagulha,
Nosso brilho talvez nem o Tempo esponje
E o camelo então passe pela agulha...

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24/06/2017


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About Light (Alma Welt)

The world is not just here and now
But all his trajectory from the light
That breaking a darkness even though
Some will avoid it, guide us ...

Who would not be attracted by its brilliance
At least as simple butterfly
Or like chickens by the corn,
Or by these same the fox?

Ephemerides in front of eternity
Our life is an intermittent view from afar
And we could barely be seen for real.


But if Love enters the spark,
Our brightness may not even fade
And the camel then goes through the needle ...



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E agora uma transliteração que acabo de fazer pelo menos com ritmo e rimas

About Light 
(Alma Welt)

The world is not just here and now
But all his trajectory from the light
That breaking the darkness at night
Even Some will avoid it, guide us all ...

Who would not come when light borns
At least as butterfly or even ox
Or like chickens by the corns,
Or in the farm those dumbs, by the fox?

Ephemerides in front of eternal view
Our lifes, whose intermittent spark was made,
May be barely could be seen for real.

But if our Love enters like a fiddle,
Our brightness may not even fade
And the camel even can goes through the needle...
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6/24/2017



Final pós moderno (de Alma Welt)

O suspiro era o nosso último rito,
Agora um bip bip (brincadeira!...)
Que cessa depois virando um apito
Chamando atarefada enfermeira.

Não haverá tuas últimas palavras,
Que ninguém, de qualquer modo, quer ouvi-las,
Nem um único verso de tuas lavras,
Que pra colhê-las já não faziam filas...

Teu nariz antes nobremente erguido
Ostenta agora uns tubos transparentes
Último elo com a vida, conhecido...

Mas junto ao leito, um ou dois parentes
Pensarão em ti por mais um só momento,
Com alívio: fim do seu (deles) tormento...

.
24/06/2017

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Sonetinho político (de Alma Welt)

"Esperemos, todavia, mais um dia.
A condená-los não nos precipitemos.
Eles morrem dos seus próprios venenos,
Deus nos dá o livre arbítrio, mas vigia."

Assim disse um mestre pr'um discípulo
Que queria uns traidores condenar,
Mas não pensem que a trama manipulo,
Até usando a rima pobre pra fechar...

Do rei então chegaram os soldados
E cercaram o palácio com canhões,
Esgotadas mil e uma opiniões.

Então disse o mestre para o aluno:
"O problema não é serem malvados
Mas é que o poder muda de turno..."

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23/06/2017

O Poço (de Alma Welt)

De um poço uma vez me vi no fundo
Mas flutuando sem sequer relar o pé.
Então meio descrente deste mundo
Eu pensei em descer um pouco até...

"Senhor Deus, só preciso meu impulso
Para a Vós eu subir rápido e bem."
Mas então fui agarrada pelo pulso
E puxada por um anjo ou por alguém.

Então Deus me disse (creiam ou não):
"Alma o que lhe falta é humildade.
Pensa que subiria sem minha mão?"

"Só com meu consentimento a folha cai...
Quem acha que lhe deu curiosidade
Tamanha, que de um poço ao fundo vai?"

.
23/06/2017

quinta-feira, 22 de junho de 2017

A Nova Nau Catarineta * (de Alma Welt)

Navegamos nestas águas obscuras
Das quais só enxergamos superfície
Que não pode refletir nossas figuras
Sem misturá-las com a imundície.

Capitão, ó capitão, mudai o curso,
Sou seu vigia, assim me nomeastes!
O piloto, nomeado por concurso
Não conhece destas águas os contrastes.

Certamente navegamos sobre escolhos,
Invisíveis que estão aos nossos olhos,
Disfarçados seus perigos pelas vagas.

Na vida assim como em sujas águas
Somos dados lançados à ventura,
Nesta Nau Catarineta que perdura...

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22/06/2017

Nota
* Nau Catarineta - é um poema narrativo do tempo do Brasil colônia e que está na raiz do cordel nordestino, sendo talvez uma espécie de precursor do gênero. Conta a história de uma nau de nome catarineta, que perdida no oceano há meses, a tripulação toda em agonia de fome "lança sortes à ventura" , isto é jogam dados para ver quem seria morto para servir de alimento aos outros ( canibalismo mesmo!) . A sorte caiu sobre o próprio capitão, que para ganhar tempo , manda o gajeiro (vigia) subir no "tope real" para ver se avistava "terras de Espanha, areias de Portugal". O gajeiro sim, avista e mais: três donzelas debaixo de um laranjal, "uma na teia a tecer, outra na roca a fiar/a mais bonita das três daqui a ouço cantar" ... "vejo mais: espadas nuas que vêm para te matar ... "No final o capitão , dizendo: " Minha alma entrego a Deus, e o meu corpo eu dou ao mar", se atira às águas. Mas um anjo desce e salva o capitão, retirando-o das águas. A Nau Catarineta chega afinal "a um porto de mar".


quarta-feira, 21 de junho de 2017

Injustiça (de Alma Welt)

Conheci um velho sábio realista
Que tendo ele destrinchado muitos tomos,
Dizia não haver pura injustiça
E que tudo dependia do que somos,

Que sofremos somente por defeitos
De nosso próprio caráter meio tosco
E que as virtudes tem sempre bons efeitos
Como dizia o nosso bom Dom Bosco.

Mas o erro percebi de sua premissa
Pois a imperfeição do mundo só consiste
Justamente na falta de justiça

Quando vejo uma criança esfaimada
Sem nenhum motivo justo vitimada,
Nós, periquitos, a desperdiçar alpiste...

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21/06/2017

Mundo Impressionista (de Alma Welt)

Para entender o mundo e a vida
Precisamos um pouco de distância
Pra enxergar pontos na tela em sua ânsia
De somarem-se pra ser vista e entendida.

Assim, como um quadro, mais ou menos,
Que nós mesmos pintamos apressados
Mas não como coisa de somenos
Ou buscando conquistar interessados.

Muito de perto e à primeira vista,
Vede, o nosso mundo impressionista
Não era o que todo mundo via.

Mas na distância certa, quê beleza,
Se descortina a verdadeira natureza
Do caos que dissimula a harmonia...
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21/06/2017

A Barqueira (de Alma Welt

Temos todos que atravessar o rio,
Não podemos simplesmente aqui ficar.
Sempre há um grande rio a nos cortar
E nesta margem estou que não me fio.

Olhai o sol, vai nascer no outro lado
Onde as grandes pastagens são mais verdes
Como os olhos de alguém que eu tenha amado
Antes de eu me entregar e vós me terdes...

Como poeta, barqueira confiável
O óbulo não cobro e sou afável,
Não sinistra como aquele velho guia,

Um morto a oferecer o seu serviço,
Cobrando de um povo assustadiço,
Fazei, então, comigo, a travessia...

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21/06/2017

terça-feira, 20 de junho de 2017

Foi-se Martello... (de Alma Welt)

Ser bom poeta é ter os pés na terra,
Ao contrário do que muitos apregoam.
É ser lúcido, condição que aberra,
Numa terra onde os sonhos sobrevoam.

Sonhos de grandeza ou de maldade,
Estes últimos bem mais numerosos
Proliferam no campo e na cidade
Com seus falsos devaneios rumorosos.

Aqui no bairro, uma mulher se despediu
Do marido, o conhecido seu Martello,
E acenando disse "Foi-se! Ele partiu!

Agora chora a viuvez desencantada
Tendo desmoronado o seu castelo,
Sem Martello, já que foi-se, sem mais nada...

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20/06/2017

A Barca do Esquecimento (de Alma Welt)

Se de bajuladores tu não gostas,
Por que Deus gostaria, não é verdade?
Neguinho a toda hora de mãos postas
Os joelhos no chão, falsa piedade...

Mas o momento superior, de contrição,
É uma imensa pena disto tudo,
Do sofrimento real por tua nação,
À dor de quem ainda sofre mudo

Uma vida miserável, de agonia,
Sem real perspectiva de um alívio,
Já caído nas garras da Utopia...

De Deus o Reino quase tudo abarca,
Mas um monte escolhido pelo oblívio
É justamente onde foi pousar a Barca...

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20/06/2017

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Flores falsas (de Alma Welt)

Descontando serem meio interesseiras,
Só as flores são de fato generosas,
Pois dão mais do que cobram, como as rosas
Que os espinhos relevamos, por besteiras.

Existem as carnívoras, entretanto,
Que nos parecem personagens de terror
Que nos causam tanto medo quanto espanto
Com dentes grandes ou somente mau odor.

Até as flores têm seu paradoxo,
Como um crente fiel muito zeloso
Disfarça um fanático ortodoxo.

Por isso precisamos sobriedade
Pra não sermos com a nossa dubiedade
Flores falsas num mundo já enganoso...

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19/06/2017

A cruel harmonia (de Alma Welt)

Para estar em paz com a natureza
É preciso alcançar nossa harmonia.
Vede o voo da coruja, que leveza!
E o macho alfa da alcateia como guia.

O bote da raposa sobre a neve
E o balanço do chita em disparada;
O mergulho da águia após se eleve,
Já quase nas nuvens, sua emboscada.

O sonar do morcego, o olho do lince,
Da cascavel o chocalho generoso
Para dar um aviso ao presunçoso...

Mas dou-me conta de que tudo é predação,
E o homem com seu "veni, vidi, vinci"
Teve tanto a quem puxar na Criação...

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19/06/2017

Cartas marcadas (de Alma Welt)

O Tempo nos conjuga o tempo todo,
Brincando, báh, conosco nos três tempos,
Dando às vezes com a gente nalgum lodo
Ou somente inventando uns contratempos.

Um cozinheiro gentil que nos cozinha
A fogo lento com temperos de ironia;
Falso vidente o final nos advinha,
Que em cartas marcadas já o sabia.

Aquele bobo da fortuna, ou coringa,
É carta descartada em nosso truco,
Que o gaúcho bebe mate e pouca pinga.

Mas sabemos, nada adianta nosso zelo
Se tivermos que morrer por um trabuco
Ou rezando a Deus no leito e quase a vê-Lo...

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19/06/2017

domingo, 18 de junho de 2017

Oração espertinha (de Alma Welt)

Deitei-me sob o meu umbu pampeiro
Após ter muito andado na coxilha,
Das gramíneas sentindo o doce cheiro
E ouvindo o som da vida que fervilha.

Então pensei: isto tudo é um presente
Da Natura que é Deus disseminado,
E é assim que Ele se faz onipresente
Pois em cada segmento unificado.

Assim aconchegada em vasto colo
Eu estive por momentos tão completa
Que nem mesmo pousava sobre o solo.

Não me solte, Senhor, vos peço, nunca mais!
Já estou no Céu, que é a Vossa meta,
Morrer agora seria andar pra trás...

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18/06/2017

sábado, 17 de junho de 2017

Receita para um feriado prolongado (de Alma Welt)

Temos muito o que fazer dentro de nós,
A começar: tirar teias de aranha
E espanando esse nosso pó, após,
Polir pratas se isso não as arranha.

Depois dentro enfeitar com bandeirola
Senão com nosso estandarte da paixão;
Então botar um bom disco na vitrola,
De preferência a nona, aí à mão.

Sim, a Ode à Alegria de Beethoven
Parceria com o Schilller, mas bem alto
Pois assim nossos vizinhos também ouvem.

E então regendo com entusiasmo,
Abrir os braços correndo até o asfalto
Entre carros que buzinam, o povo pasmo...
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17/ 06/2017

sexta-feira, 16 de junho de 2017

As Invasões bárbaras (de Alma Welt)

Estamos na beirada, não no meio,
Do abismo nascemos numa borda.
Brincamos, tolos, no campo de centeio, *
Falta o apanhador ou uma corda. *

Diante deles, como somos indefesos!
Mas tão só no mau sentido inocentes,
Em espírito tornamo-nos obesos
E estamos precisando ser valentes.

Por nossa atual fraqueza e covardia
E de nossos vãos tremores de maleita,
Do Mal não se obtém nenhum proveito.

Bárbara invasão já se anuncia,
Enquanto a canalha rola e deita
Pintemos novamente a cruz no peito...

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16/06/2017


Nota
*Brincamos, tolos, no campo de centeio,
Falta o apanhador ... - alusão ao episódio chave que dá nome ao livro "O Apanhador no Campo de Centeio", de JD Salinger.

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Por quê não te calas? (de Alma Welt)

Uma ou outra pessoa, temerosa,
Se afasta de mim, furtivamente,
Por medo da verdade em verso e prosa,
Deste meu questionamento permanente.

"Por quê não te calas, Alma inquieta?"
Pensam essas pessoas, eu presumo.
"Já falaste bastante, estás completa,
Já fizeste da vida um bom resumo... "

Mas destas pessoas desconfio
Já que querem me calar com indulgencia
Ou docemente me fazer perder o fio.

Sou doce, mas com um pequeno travo.
Rosa com espinhos de emergência,
Rosto meigo que protege um peito bravo...
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15/06/2017

Onde reinam os lobos (de Alma Welt)


Onde reinam os lobos (de Alma Welt)


Dentro em nós, num país de gelo e sombra
A alcateia reina absoluta,
Patas na neve macia como alfombra,
Silenciosos, furtivos, sempre em luta

Contra a fome de um reino contingente
Que avança no nosso território,
Não obstante o falso palavrório,
Já que tudo se passa internamente.

Ninguém estende a mão, braço esticado
Para um dócil focinho, engano ledo,
Que este cão nunca foi domesticado...

Onde os lobos reinam em nossa alma
Raramente voltamos, pelo medo
Que nós temos de lhes dar a nossa palma...
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15/06/2017

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Em Nova Temporada (de Alma Welt)

O rastro que deixamos nesta vida
E que pode como trilha ser seguido,
Tem por certo nossa marca definida,
A digital da alma e seu sentido...

Mas não quero ser assim tão taxativa:
Existem almas com uma passada leve
Que não deixa impressão ou marca viva,
Conscientes demais que a vida é breve.

Mas eu, graciosa ou estabanada,
Dancei, cantei, girei minha bengalinha
Esperando por Deus ser contratada

Não apenas pr'uma exibição privada
Que só Ele reconheça como minha,
Mas pra voltar numa nova temporada...

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14/06/2017

Chocolate com pimenta (de Alma Welt)

Quantas vezes eu já pensei em desistir...
Perdoem-me, amigos, minha fraqueza,
Num mundo duro e seco fui cair,
Contrário à minha doce natureza...

É verdade que uma dose de ironia
Apimentou meu relacionamento
Com vocês através da minha poesia,
Fiel que sou à deixa do momento:

Perco o amigo mas não perderei a rima
E por isso fui tachada negligente,
Ocupada demais com a auto-estima.

Mas garanto, amigos meus, sou inocente,
Não como uma criança sem maldade,
Mas sim como uma criança de verdade...

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14/ 06/2017

terça-feira, 13 de junho de 2017

Alma e o Lobo-Guará (de Alma Welt)

                                      Alma e o Lobo - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2006, 150x150cm 

Alma e o Lobo-Guará (de Alma Welt)

Entre tantos caminhos que se abriam
Escolhi pelo jeito o mais ameno,
Aquele em que até os cães se fiam
E o capim pro meu cavalo, puro feno...

Entretanto, a poesia é uma armadilha
Cruel, terrível, de pegar lobo-guará,
Que os malvados armam na coxilha
Para quem anda por aí ao Deus dará.

Bah! Que engano ledo é o mar de flores,
Antes ficasse co'a avó em seu jardim,
O que me evitaria tantas dores...

Mesmo assim andei nua pela vida
E fui lobo e caçador, ambos de mim, *
Quase só por mim mesma enaltecida...*

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13/06/2017

Notas
*E fui lobo e caçador, ambos de mim - uma alusão ao verso "Eu, caçador de mim... ", da canção famosa de Milton Nascimento.

*Quase só por mim mesma enaltecida - a chave de ouro deste soneto é ilustrada com precisão na minha pintura "Alma e o Lobo", pelo gesto de mão para o alto da poetisa nua...

(Guilherme de Faria)

O caminho (de Alma Welt)

Realmente, amores meus, eu sinto tanto
Que demos com os nossos burros n'água,
Que a nossa vaca foi pro pântano
E que minha rima falsa causou mágoa.

Dei de mim o que melhor me parecia,
E se, ao menos, não falhei com a poesia,
E nela nunca abjurei a minha fé,
Alguns já dizem que me dei tiro no pé...

Arruinei a minha estância e meu vinhedo
Que agora seco está (não mais seu vinho)
E minha casa em ruínas mete medo.

Mas se o vento retomou a minha estância,
O mesmo frio minuano de minha ânsia,
Nada foi chegada mesmo, só caminho...

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13/06/2017

Caminhando entre as flores (de Alma Welt)

Caminhar entre estas flores me foi dado
Como um dos meus muitos privilégios,
Que foram como que presentes régios
Ofertados pelo Deus que os tem criado.

Não vivi em terra árida mesquinha
Que, bem sei, também as há pelo planeta.
E se minha caminhada é tão sozinha
Não recomendo a outro que a cometa.

Mas bem cedo percebi que vim pra dar
E vivendo em plenitude e abastança
Bons amigos não iriam me faltar...

A solidão entre flores foi escolha:
Do "amor-perfeito" se não tive a aliança,
A mim não foi vedado que Amor colha...

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12/06/2017

segunda-feira, 12 de junho de 2017

A hora marcada da Alma (de Alma Welt)

O melhor de mim é o desespero,
Surdo, pálido, contido, amordaçado,
Que me dá esta tez branca, um certo esmero,
Que alguns pensam ser um anjo disfarçado.

"Como? O que dizes? Não blasfemes! "
-Clamam os amigos de minha alma-
"Bem sabemos que quase nada temes
E no porte aparentas muita calma."

Bah! guris, que muito já brincamos!
Então não vêem aonde já chegamos?
Tão marcados por dentro e não por fora...

Minha dor é querer mais de tanta vida
E saber que está chegando a minha hora,
A de vocês ainda é desconhecida...

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12/06/2017

A Chave do Soneto (de Alma Welt)

Para alguém ao bom soneto se lançar
É preciso que ele tenha o que dizer
Mas mais ainda o que muito perguntar
Pois os versos cuidarão de responder.

Curiosidade imensa, em resumo,
E de fundo uma certa rebeldia
Para questionar da vida o rumo,
E tanto mais de onde se inicia.

O sentido da Vida? Seu mistério?
O soneto lhe dirá, mas ele inverte
Apontando teu lugar no cemitério.

Deus lê os teus sonetos, pobre Alma,
E sorri, pois muitas vezes se diverte:
Tudo estava escrito em tua palma...

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12/06/2017

domingo, 11 de junho de 2017

O enigma do presente (de Alma Welt)

"O desencadear das circunstâncias
É o que explica o nosso aqui-agora.
Não entrarei no mérito das ânsias
De tudo o que em nós germina ou gora..."

Assim falava uma vidente num jantar
Durante a estadia aqui em casa,
E eu, guria, não cansava de a mirar
Com interrogação no olhar em brasa.

Então um dia dirigindo-me a ela,
Questionei-a com entonação singela:
"Senhora, saberás ler minha mão?"

"Eu queria decifrar o meu presente
Pois não há maior mistério ou confusão
Do que este próprio coração da gente..."

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12/06/2017

O Elefante na Sala do Banquete (de Alma Welt)

A mesa está posta, do banquete,
Mas não servida, é claro, para todos.
Não falta nem o pão e o rabanete,
E assado, o javali grande dos lodos.

Enquanto o teto não desaba, o inimigo
É cupim quase invisível: rói por dentro
Enquanto preservamos nosso umbigo
Porque pensamos só estar no centro.

Não estamos na selva? Um restaurante?
Me desculpem, me perdi a admirar...
Então é só decoração o elefante?

O menu é sempre o mesmo, a se notar:
À direita um pato exuberante,
Na metade da esquerda, o caviar...

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11/06/2017

sábado, 10 de junho de 2017

Psico ecologia (de Alma Welt)

Deus criou a terra e o mar salgado
E nos deu o pão e o presunto.
Nós fazemos arte quando muito
Mas suponho que também é emprestado.

A arte é divina quando é boa
Porque existem aquelas do demônio
E que não são simplesmente da garoa
Mas camada falsa como ozônio.

É preciso separar joio de trigo
E isso dá canseira e até muita
E deixamos passar o inimigo.

Amiúde fazemos vista grossa
Para quem se aproxima e só assunta
Furando o ozônio da camada nossa...

09/06/2017

Depoimentinho (de Alma Welt)

A vida é muito triste, eu reconheço.
Quanto a mim, no entanto, nem um pouco.
Eu rio, gargalho, e me enterneço
E às intrigas faço ouvido mouco.

Não sou chegada a rapapé nem vênias,
Meus sonetos não comportam emendas,
Minhas bacantes são todas abstêmias,
Creio pouco no real e mais nas lendas.

Vivo como se a vida fosse justa
E feiura e maldade não houvessem
E portanto desmontá-las não me custa.

Felicidade? Não estou falando disso...
Para que a dor e os sofrimentos cessem,
Desisti de ter com ela compromisso.
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09/06/2017
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O deus dos desacatos (de Alma Welt)

O soneto é melhor em quantidade
E necessário escrever um depois de mil,
Como poeta ser uma Sherazade
Salvando sempre sua vida por um fio.

De Damocles a poesia é uma espada,
Se a tememos o fio se romperá,
Mas de Penelope a teia desmanchada
A sua bela integridade salvará.

Mas somente os poetas sabem disso
E são às vezes olhados como loucos
Pela incerteza de assumir tal compromisso.

Mas lhes garanto, ó sábios e sensatos,
Que um poema é um labirinto para poucos:
No centro está o deus dos desacatos...
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08/06/2017

À individualidade (de Alma Welt)

Mantenhamos individualidade,
Nossa dádiva maior e espantosa
Nesse imenso canteiro da cidade
Desde que uma rosa é uma rosa... *

Porque nada nos levaria a crer
Que a nós fosse possível tal milagre
Quando a alma pode ou tende a se vender
E o próprio vinho caminha pro vinagre.

O Criador nos quer à sua imagem
Que é múltipla como a sala dos espelhos
E infinita como estrelas sem contagem.

Então nossa máscara retiremos,
O único ou melhor dos meus conselhos,
São infinitos os grãos do pó que recebemos...

07/06/2017

Nota
* ...uma rosa é uma rosa - alusão à frase
famosa da escritora americana Gertrude Stein: "uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa..."

domingo, 4 de junho de 2017

No Olho do Furacão (de Alma Welt)

No furacão há sempre uma calada
Profunda, imóvel, e em pleno olho.
Assim também em nossa estada
Vital e que por graça ainda escolho.

O silêncio em meio à agitação
E desvario que é a vida humana
No debater-se e no crispar da mão
Para agarrar-se nesta nau insana.

Mas a serenidade ou harmonia
Também será possível em meio ao caos
Se nos refugiarmos na Poesia

Que nos dá guarida e até consolo,
E perante tanta dor e tanto dolo
Uma nota de humor que ri dos maus...

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04/06/2017

sábado, 3 de junho de 2017

A Idade das Trevas (de Alma Welt)

Poeira sobre a terra, aglutinada,
Estamos a mercê dos grandes ventos,
Das chuvas de pedras, da queimada,
Mas sobretudo dos fatos, dos momentos,

Que não temos então como contestá-los
Embora alguns o façam, os ridículos
Amantes da utopia em pratos ralos
Na mesa dos outros, falsos vínculos...

Ah! Os santarrões de sonhos falsos!
Já meu pai me advertia contra eles,
Que apenas construíam cadafalsos...

E como mentem, torcem, desfiguram
A verdade crua e nua, mesmo a deles,
Que a Idade das Trevas inauguram...

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03/06/2017

sexta-feira, 2 de junho de 2017

O Destino e as cartas (de Alma Welt)

“Se é verdade que temos um Destino
Os arbítrios foram todos programados,
E o seu total desvelo sibilino
Não lograria mudar os resultados.”

Assim disse um filósofo caseiro
Que não obstante o pedantismo
Não queria de mim nenhum dinheiro
Mas apenas exibir seu ceticismo.

Afinal procurei a minha cigana
Pelo mistério dúbio que emanava
Da estranha silhueta de Medusa

Que sugeria a terrível morte humana
Que me esperava como poetisa e Musa,
Mas que deitando cartas me encantava...
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02/06/2017

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Não verás (de Alma Welt)

"Criança, não verás país nenhum," *
Sem criança é título de um romance
Que no tempo parece nos avance,
Embora não nos faça bem algum.

Na origem era um poema ufanista*
De um famoso poeta parnasiano
Que meu pai leu pra mim no quarto ano
E que eu achei até bem realista.

Lá se foram os sonhos de grandeza
De minha pátria ainda amada, juro,
Hoje em dia mergulhada na baixeza.

Eu me pergunto como tão baixo caiu,
Um país que parecia ter futuro *
Que só um pobre suicida mesmo viu... *

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31/05/2017

Notas

* "Não verás país nenhum" - título de um romance apocaliptico
de autoria do Inacio de Loyola Brandão, publicado nos anos 80.

*Na origem era um poema ufanista -trata-se do soneto "A Pátria", de Olavo Bilac, muito criticado e satirizado hoje em dia pelo seu ufanismo um tanto ridículo. Começa assim: Criança, não verás nenhum país como este/ Ama com fé e orgulho a terra em que nasceste!

*Um país que parecia ter futuro
Que só um pobre suicida mesmo viu - alusão ao livro "Brasil, País do Futuro", do escritor austríaco Stefan Zweig que exilado de sua pátria se suicidou em Petrópolis junto com sua esposa, durante a II Guerra Mundial .

Notícias do Lodo (de Alma Welt)

"Nossos desejos maiores não se cumprem,
O mundo desmorona à revelia...
O povo se encaminha para o lumpen
E miséria não é fonte de poesia."

"Já não mais nos enganam os canhotos,
Que sabemos suas baixas intenções...
De esperar temos cotovelos rotos
E a fé já abandona os corações."

Um doutor que veio aqui dizia assim,
Com notícias de um famoso mar de lodo
Que ocorre além das terras do sem fim.

Mas vejo que o Diabo não sossega
E pra deixar, quando vier, a Besta cega,
Bem quisera eu cobrir meu Pampa todo...
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31/05/2017

terça-feira, 30 de maio de 2017

O Jardim dos Desraigados (de Alma Welt)

Voltar ao lar, foi tudo o quanto eu quis.
O lar se foi, não seria mais possível
À pessoa, à poetisa que me fiz,
E o que restou agora é invisível...

Tudo agora é espectral, o casarão,
O jardim da velha Frida, minha avó,
O vinhedo e o lagar em ruína estão,
Quase tudo quanto eu toco vira pó...

O Tempo é o Senhor dos desraigados
E passa como o Huno em seus cavalos
Deixando a terra, os campos, tão salgados

Que até para os capins não há retorno
Com o sabor doce que tinham ao prová-los
Mordendo um talo, deitada, olhando em torno.

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30/05/2017

sábado, 27 de maio de 2017

O Paraíso Perdido (de Alma Welt)

Caiu-me já há tempo o véu dos olhos
E já não posso neste mundo ser feliz;
Derramaram sobre a água feios óleos
Malgrado a transparência em que me quis...

Foi toda a inocência conspurcada
E a feiura reina agora sobre tudo,
A sociedade, outrora una, foi rachada
(alguém me adverte que me iludo):

"Nunca houve unidade"- alguém disse-
"Em que mundo viveste, ó doce Alma?"
E eu, a contragosto, dou-lhe a palma...

É que eu vivi no verdadeiro Paraíso,
Feliz e nua sem que ninguém me visse,
Sem precisar nem pôr no gato um guiso... *

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27/05/2017


Nota
*Sem precisar nem pôr no gato um guiso - alusão à fábula de Esopo, "A Assembléia dos Ratos". Alma quer dizer que ela podia viver inadvertidamente, sem precisar se precaver...

O Amigo Urso (de Alma Welt)

Só consigo pensar pelo soneto,
Que é uma forma de rigor e de pressão,
Já que em filosofia não me meto
Pelo menos em prosa e discussão.

Mas poesia não é tão conceitual,
Embora às vezes nos pareça
Mas tão somente no aspecto formal
Conquanto o nosso sonho prevaleça.

Dito isso, termino o meu discurso
Prometendo só contar estórias
Como aquela do meu amigo urso

Que disse ao meu ouvido, eu deitada,
Fingindo-me de morta, abandonada:
"Teus amigos é que vão cantar vitórias"..

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27/05/2017.

A Matança (de Alma Welt)

O horror neste mundo já me cansa
E não posso assistir sem calafrio
Esse grande cenário de matança
Esse "come-come" a seco e a frio...

A brutal selvageria animalesca
Que os homens imitam com orgulho
Pelo cheiro e o sabor da carne fresca
E no sangue acostumados ao mergulho...

Será mesmo, na verdade, necessário
Penetrarmos nas vísceras da vida
E para os leões sermos um páreo?

No tal Éden não havia crueldade
E a serpente convidou-nos à mordida
De um fruto, não ao resto da maldade...

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27/05/2017

A Entrega (de Alma Welt)

"Não ter real controle sobre a vida
É sempre o que me faz crer no Destino
E assim, por esta lógica, decida
Entregar a minha alma pro Divino."


Assim discorria um douto amigo
A quem no entanto faltava a humildade,
Já que não agradecia o pão e o trigo
E era só condescendência, na verdade...

Pensei: Tens fé na lógica, isto sim,
E leiloas tua alma ao melhor preço
E a entregas só ao portador do Fim,

Que é de Deus aquele arauto muito branco
Mas sinistro e sem verdadeiro apreço
Aos homens a quem vem buscar no tranco.

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27/05/2017

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Sem saída (de Alma Welt)

Tudo escuro, a falsidade nos rodeia,
E não temos o mapa da saída;
A vida já foi bela, agora é feia,
Ou temos nossa certidão vencida.

Persistimos por obra só do acaso,
Pelas possibilidades extensivas.
Há tempos confessamos nosso atraso,
Agora só sobraram as sempre-vivas,

Primas do pó a que estamos destinados
Sem ter visto sequer os verdes prados,
Flores que secam tão só para não morrer...

Os ovos goram enquanto mela o sonho
E só podemos esperar, senão temer, *
Um destino bem pior, senão medonho...

.
26/05/2017

Nota
*E só podemos esperar, senão temer - Estará a Alma fazendo um trocadilho? Estará dizendo que sem o Temer, teremos um destino bem pior?

quarta-feira, 24 de maio de 2017

A Pandora do Soneto (de Alma Welt)

Do soneto Deus me deu dom e os meios,
Isto é, a bagagem e o que dizer,
Pois se não tens assunto, plenos veios,
Não tens a chave com que o leitor prender...

Chave de ouro, sim, grande arremate,
Aquilo mesmo que querias expressar,
De que a primeira quadra é o "start"
E a segunda, arrazoado pra enfeitar.

Mas o primeiro terceto é um resumo
Que fazes pra um melhor entendimento
Do que será apresentado como o sumo.

Então abres de Pandora aquele cofre
Com a chave generosa do momento,
Pois de males libertados não se sofre...

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24/05/2017

terça-feira, 23 de maio de 2017

Tempos difíceis (de Alma Welt)

Nosso barco está fazendo água
E nosso poço está seco como o pó;
Nosso vinho está amargo como mágoa
E nosso farto chimarrão dá pra um só...

Poeira até onde a vista alcança
E a cadeira de balanço está quebrada
Mas de balançar a gente cansa
E o tédio nunca foi de minha alçada.

São tempos difíceis, de propina,
Nossa humanidade cambaleia
Mareada em terra-firme de baleia

Encalhados que estamos sem batel
Em cascalho, enquanto o Mal refina
Seus favoritos e os seus favos de fel...

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23/05/2017

A Terra da Discórdia (de Alma Welt)

Tão somente peço a Deus serenidade
Já que vivo na terra da Discórdia
Onde não há consenso nem verdade,
Onde batemos boca e é uma mixórdia.

Foram-se os tempos de melhor clareza
Ou de sonhos ingênuos de harmonia
Com nossa calma e soberba natureza
De onde brotava a minha poesia...

Mas das trevas saíram os ladravazes
Disfarçados de homens de gravata
Com suas bocas ávidas, vorazes...

E como gafanhotos sobre a vinha
Ou praga que corrompe tudo e mata
Fez-se a escuridão que lhes convinha...

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22/05/2017

domingo, 21 de maio de 2017

Nossa Opereta Bufa (de Alma Welt)

                            Dois esqueletos disputando um enforcado - James Ensor

Nossa Opereta Bufa (de Alma Welt)

Começo a ter vergonha dos meus sonhos
Diante dos sonhos frustrados do meu povo.
Configuram-se-me agora tão bisonhos
E enquanto morrem juntos, me comovo.

Como posso colher flores, fazer verso,
E romântica a perseguir o belo
Manter a sintonia com o universo
Se minha pátria tem governo paralelo?

Respaldo obscuro dos senhores
A quem manipula qual fantoches,
Satã é comediante de deboches...

Somos platéia de uma opereta bufa
De que nem aproveitamos os humores:
Por nossa própria forca "o" caixa rufa...*

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21/05/2017


Nota
*Por nossa própria forca "o" caixa rufa - Pra quem porventura não entendeu o sentido deste verso, eu explico: Por ocasião de um enforcamento os tambores chamados caixa rufavam (eram tocados com batidas rápidas de duas baquetas) até cessarem subitamente com o cair do alçapão que se abria sob os pés dos condenados. Aqui o caixa alude também ao famigerado "caixa 2" de nossos empresários e políticos.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

A Nova Arca ( De Alma Welt)

Tanto horror a consciência não abarca
E suspeitamos ser Dilúvio novo.
Necessitamos urgente nova Arca
Que desta vez nos salve, a nós, o povo.

Na terra, iniquidade e vilania
Se expõem diante nós, de ti, de mim,
Aviltando nossa vã cidadania
Impotente ante a marca de Caim.

Venham ondas, tormentas e tornados
Mas que a novo Noé ninguém se arvore
Que já temos suficientes magistrados...

Os extremos já se tocam, relam rentes,
Deus deixou que o Diabo colabore
Nesta arca repleta de serpentes...

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19/05/2017

O silêncio dos mortos (de Alma Welt)

Silenciosos, os mortos nunca gritam,
Nem nos cobram as injúrias e as dores
Do mal que lhes fizemos, nem se irritam,
Quando lhes depositamos belas flores.

Compartilham do sono da Natura
Nos belos tristes hortos em que os temos
Com anjos de metal ou pedra dura,
Silenciosos, compassivos e serenos.

Estas frias lousas planas, muito lisas,
Talvez não sejam senão campos de testes
Onde sem asas os corpos pousaremos.

Somente ao farfalhar sutil das brisas
Nos sinistros galhos negros dos ciprestes
Também nosso silêncio percebemos...

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19/05/2017

quarta-feira, 17 de maio de 2017

O Sonho que produz monstros (de Alma Welt)

                                                "El sueño de razón produces monstruos" - gravura de Goya

O Sonho que produz monstros (de Alma Welt)

Sou parceira da noite e a atravesso
Em acesa vigília noctambúlica
Em busca de um determinado verso
Que redima em mim a coisa pública.

Quer dizer, que faça a vida ter sentido
Numa época de caos e podridão
Em que o senso de beleza foi banido
Pela usura em quatro dedos de uma mão.

Keats disse que a Beleza é a Verdade
Mas a feiura reina impenitente
Seguida por um grande contingente

De fiéis veneradores do grotesco
Ser criado não à luz da divindade
Mas de sonho da razão falso goyesco...

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17/05/2017

A Torre de papel (de Alma Welt)


                                    A Torre de Babel- Pieter Bruegel


A Torre de papel (de Alma Welt)

A nós foi dado o tempo e a liberdade
Para fazer dos dois nosso caminho.
O destino é incerto, na verdade,
E sem rótulo a garrafa deste vinho...

Não sabemos como é o fim da estrada
E, muitos, suspeitamos de um nó
Que desatado não é senão o Nada
Que nos foi prometido como o pó.

É verdade que me destes a Poesia,
Que é o código geral da algaravia
A que nos condenastes em Babel...

Perdoai, Senhor, se ousei construir-me
E entre as controvérsias ficar firme,
Afinal a minha torre é de papel...

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17/05/2017

terça-feira, 9 de maio de 2017

O único conselho (de Alma Welt)

Deus me poupe a tentação de dar conselhos
Pelo perigo de ser falsa conselheira
Apesar daqueles meus pelos vermelhos
Provarem que sou ruiva verdadeira.

Como saber o que é pra ti melhor
Se ainda sequer sei a que estamos,
De onde viemos, para onde vamos
E quem somos numa esfera bem maior?

A vida é trágica, me perdoa relembrá-lo
(bem sei que queres só leveza no viver)
Pois a Morte ainda monta o seu cavalo...

E eu, sendo uma grande pessimista,
Eis tudo o que eu tenho a te dizer:
Viva, até por nada, e não desista...

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09/05/2017

O inquieto coração (de Alma Welt)

A vida sempre tem seus próprios planos,
Presunçoso é quem pensa controlá-la
Já que somos seres fracos, nós, humanos,
Que não temos mais Elísios nem Walhalla.

Não há mais quem afronte os próprios deuses
E os violentos são escravos de um Poder.
O homem independente existe, às vezes,
Mas já não quer mais se deixar ver.

Um espírito reina agora, de rebanho,
E todos querem no todo se encaixar
Para obter no mínimo algum ganho.

Só os poetas ainda escolhem a solidão
Porque, inquietos, não se deixam subornar
Pela atraente e falsa paz do coração...

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09/05/2017

sábado, 6 de maio de 2017

Filosofia poética (de Alma Welt)

Viver é, por si mesmo, ambiguidade
Pois temos o Inferno e o Paraíso
Só a um particular nosso juízo
De um momento fatal de nossa idade.

Se escolheres o Inferno tens o Mundo
Em sua face oculta e miserável
Que te saciará no mais profundo
Do Mal que para ti será amável.

Serás rico, terás honras e comendas,
E nos centros formadores de cabeças
Honoris causa sem que sequer mereças.

Mas se porventura o Bem escolhes,
Teu caminho é um soneto com emendas,
Mas de ouro é a chave que tu colhes...

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06/05/2017

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Nossa vida Idiota (de Alma Welt)

Estar no mundo, por si é um mistério
Que jamais resolveremos, certamente,
Pois é a essência da Vida, seu critério
Insondável como Deus e Sua mente.

Tanto mais que para nosso desconforto
A vida é, o mais da vezes, idiota
Com a nossa veleidade poliglota
E as Torres de Babel longe do Horto.

Só queríamos voltar ao aprazível
Jardim de nossa Infância preguiçosa
Quando não tinha espinhos nossa rosa

E não tínhamos que tirar cueca e blusa
Para estarmos de novo no indizível
Paraíso de uma fábula inconclusa...

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05/05/2017

Anticlímax (de Alma Welt)

"Estou velho e às vezes me revolta
Esta diária caminhada longa e lenta
Até o supermercado, ida e volta
Carregando sacos de polenta"

"Ou de outra coisa imprescindível
Que a patroa exige e encomenda
E que já não me parece compreensível
Mas que busco para evitar contenda... "

Me dizia um senhor que mora ao lado,
Com um sorriso triste, o senhor Max,
Incapaz de esconder o seu enfado.

E eu fechei a porta, também triste,
Pois vi que a vida acaba num anticlímax,
Eu que sonhava a glória e o seio em riste...

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05/05/2017

quinta-feira, 4 de maio de 2017

O tempo presente (de Alma Welt)

O Tempo que nos cabe é o presente,
Fugidio como peixe ensaboado
Que escapa-nos dos dedos de repente
E ficamos para ele no passado.

Ele deixa-nos pra trás sem mais delongas
Sonhando com o tempo do Afonsinho
De gregárias calendas de milongas
Num qualquer saudoso Bar do Minho.

Onde um luso de bigodes como um muro
Servindo pinga e não água corrente
A nossa boemia fomentava...

E como éramos felizes no presente
Daquele tempo repleto de futuro,
A sonhar com quase tudo que calhava!

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04/05/2017

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Nós, o Povo (de Alma Welt)

Pensamos ter um amparo neste Vale
De lágrimas, com um espantoso coro,
Com ranger de dentes,"male e male",
Confiantes na justiça d'um só moro.

Nada temos, todavia, impotentes
Diante dos poderes dos corruptos,
Arcanjos da Maldade em suas mentes,
Cercados não de "putti", mas de putos. *

Nós, o povo, herdeiros do desastre,
Por fatais erros de voto e julgamento
No Inferno dos Outros como Sartre...*

E de Sísifo vivemos o tal Mito, *
Pois Camus detectou nosso tormento:
Morro acima não o grão mas o granito...


03/05/2017

Notas
*Cercados não de "putti", mas de putos- Em italiano, putti, plural de putto, são aqueles anjinhos bebês , com asinhas, que voam em torno dos Santos, dos arcanjos e da Virgem Maria. Aqui Alma usa o calão "putos" para designar os prostituídos da política.

*No Inferno dos Outros como Sartre - alusão à famosa frase de Sartre na sua peça teatral Entre Quatro Paredes: "O Inferno são os outros... "

*E de Sísifo vivemos o tal Mito- alusão ao mito grego de Sísifo, rei que ao morrer, no reino de Hades foi condenado a carregar eternamente uma grande rocha até o alto de montanha, deixá-la então rolar até em baixo para novamente empurrá-la morro acima, num círculo de eterno tormento. Albert Camus, rival de Sartre analisa esse Mito no seu livro O Mito de Sísifo, como alegoria do destino humano na Terra.

terça-feira, 2 de maio de 2017

A vida do saber (de Alma Welt)

A vida do saber é caminhada
Inexorável em direção à solidão,
Aquela tanto por ti mesma rejeitada
Quando buscavas turma e compreensão.

"Mas então, qual a vantagem?"- me perguntas.
"Não devíamos formar um ou nos unir?
Formar a grande lama com que juntas
Os tijolos da alta torre do Devir?"

Não, amigo... alma sim, nada de lama.
A individualidade mais suprema
Que será julgada na hora extrema.

Ainda buscas teus amigos de outra hora?
Eles liam o teu livro pela rama
Enquanto caminhavas para a Aurora!

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02/05/2017

O resumo (de Alma Welt)

"Teu sótão atravancado de promessas,
Sonhos de interesse momentâneo,
Coisas de que não mais te interessas,
Varra ou jogue fora do teu cranio"

Meu pai disse entre seus mais de mil livros
Aos quais o seu apego eu herdaria,
Já que, segundo ele, estavam vivos
E continham o Mundo e sua Poesia...

Mas um dia, sentindo-me oprimida
Por outros mil volumes (quem me dera
ter chegado à metade dessa lida)...

Perguntei: "Qual dentre eles nos resolve,
Os outros todos resume ou exonera?
Disse meu pai: "Os Irmãos Karamazov".
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02/05/2017

domingo, 30 de abril de 2017

Da natureza do Destino ( e Alma Welt)

Não há maior mistério que o Destino,
Talvez por sua infinita variedade
Embora seu perfil seja tão fino
Que não podemos vê-lo, na verdade.

Mas de frente é sempre surpreendente
E tantas vezes mesmo apavorante
Por ser quase sempre concludente
Ao proibir-nos de avançar, de ir avante...

Sua natureza é contra o Tempo
E avessa ao Infinito e aos deuses
Que o veem como simples contratempo.

Mas nós, passageiros da Agonia
Preferimos repetir nossos adeuses
A chegar onde afinal a gente ia...

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30/04/2017

Equilíbrio (de Alma Welt)

O equilíbrio entre o coração e a mente
Busquei para efeito de harmonia.
Minha repulsa ao coração demente
Está em minha prosa e na poesia.

Os doidos não suporto, eis a verdade,
Nem aqueles loucos contra o vento
Dos moinhos da nossa sociedade,
E nunca contra o cerne do momento.

"Seja mais clara, Alma"- alguém me diz-_
"Tu te pões dentro de um círculo de giz
Porque tratas de coisas obscuras."

Mas se lido com a natureza humana
Não posso ser o farol que tu procuras
Pois o Mistério amo... e dela emana.

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29/04/2017

sexta-feira, 28 de abril de 2017

A Alquimista (de Alma Welt)

Sei que me esforço para ser universal,
Não chorona de um perpétuo mimimi
De quem pouco se conhece ou muito mal
Na persistência em só falar de si.

"És pretensiosa, isso sim!"- alguém me disse-
Ou não disse, na verdade, e imagino...
Comigo dialogo, esquisitice,
Pois nos sinos que dobram ouço meu sino.

Mas pra falar assim de todos, ser ouvida
Fervo minha retorta ao quase estouro,
Tenho toda vã matéria dissolvida.

Ali, onde, alquimista, busco a Pedra
Filosofal, e que não se torna ouro
Mas de onde o saber profundo medra.

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28/04/2017

Questões da guria do pampa (de Alma Welt)

Retornaremos um dia à Inocência?
Qual será nosso Juízo no Final?
Os justos herdarão a permanência,
E os ímpios perderão o seu quintal?

Tais perguntas eu fazia de guria,
Dos sermões do padre atenta ouvinte,
Que a justiça final nos prometia
Sem dizer como ficava o dia seguinte.

E eu só queria restar no casarão
Mas com a coxilha até o horizonte
E o vinhedo dos avós como razão...

Acolhido foi do Éden o nosso leste,
Meu pampa é a chegada e não a ponte,
Senhor, sou apegada ao que me deste...

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28/04/2017

Considerações sobre a vingança (de Alma Welt)

Separarmos a justiça da vingança
Seria um estágio mais acima,
Que é quando a humanidade avança,
Ou coisa que o bom senso nos ensina.

Entretanto Hamlet em nós persiste
Com essa fabulosa confusão.
A vingança infelizmente existe
Qual fundamento ou só básica paixão.

Queremos mesmo vingar nossos fantasmas
Ou somente aliviar as nossas asmas
Pois o nosso próprio rei é que está nu.

Como prato que se deve comer frio,
Continua a preferencia do menu
Enquanto o Tempo corre como um rio...

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28/04/2017

A advogada (de Alma Welt)

Viver neste mundo é a premissa
Da pena que nos coube, ou maldição.
Não estou convencida da justiça
Da nossa triste e malfadada expulsão.

Senhor, perdão, por quê tanto rigor,
E não punir o casalzinho com um pito,
Pois só quis conhecer o teu sabor
No formato de um fruto tão bonito?

Fostes Vós quem criou a Tentação,
Convenhamos, isso é um tanto desleal!
Cartas marcadas no jogo da Razão.

E foi Vosso o próprio fruto, de repente,
Que me fez a advogada do casal
E não do tal diabo da Serpente...

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28/04/207

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Estrela da Poesia (de Alma Welt)

A poesia me salvou de quase tudo
Embora não criada para isso.
Orfeu olhou pra traz insubmisso
E perdeu a sua amada: lex ludo.

Depois, o nosso herói dilacerado
Teve a cabeça com a lira preservada
Em memória e honra do coitado,
E só a lira no fim foi estrelada...

Ser estrela a alma minha aceita,
Constelação já minha mente não delira,
É demais... pra tanto brilho não fui feita.

A arte vale bem mais que o artista.
Somos meros portadores de sua lira
Se não perdemos o nosso amor de vista...

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26/04/2017

O Hexaedro da Colmeia (de Alma Welt).

Ocorreram quase todos meus receios
E o que aconteceu de bom não esperava.
Mas o destino encontrou modos e meios
Quando eu, desastrada, me afogava...

Não temos mesmo o controle desta vida
E então somos levados na corrente,
Mas Deus lança uma boia salva-vida
Se a gente não se entrega simplesmente.

"Bah! É tão fácil assim, Alma inocente?"
-Me disse uma professora ateia-
"Tudo isso a simples Física desmente."

Mas Deus criou a física e a geometria
Basta ver o hexaedro da colmeia...
Estava lá, e, desgarrada, me acolhia.

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26/04/2017

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Conselho a mim mesma (de Alma Welt)

Escolhido o verso alexandrino,
Quatorze para ser mais específico,
Dirigi-me a um público mais fino
Que iria fruir meu dom prolífico...

Ora, Alma, este soneto está pedante!
Começaste muito mal, vamos convir.
Não precisas explicar o elefante,
Sete cegos apalpando hão de vir.

Se tens algo a dizer solte uma pomba
Com a mensagem do coração e mente
De um cego que reconheceu a tromba...

Lançado o elefante em pleno ar,
Então deixe-o seguir pela corrente
Ao sabor do vento, leve, a flutuar...

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21/ 04/2017

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Livros (de Alma Welt)

Nasci num mundo de abundância
Pois meu pai tinha quase dez mil livros,
Encanto e mistério meu da infância
Já que pra mim estavam todos vivos.

Bastava abri-los e começar a ler
Que o mundo todo se encantava...
Não "faz de conta", muito mais um "vir a ser"
Mais real que o real que me cercava.

Era Aab mas também a Moby Dick,
E o narrador agarrado num caixote
Previsível, do navio que foi a pique.

Mas quanto ao impagável Dom Quixote
Eu não queria sê-lo nem um pouco,
Que almejava ser Cervantes, não o louco...

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20/04/2017

Pequena crônica (de Alma Welt)

"Em que mundo vives, minha Alma? "
Disse o meu amigo Serafim
Quando o convidei na tarde calma
A comigo colher flores no jardim.

"De que lado estás?" perguntou outro
Quando o convidei numa manhã
A laçar e trazer do pasto um potro,
Que tachou de "suprema coisa vã".

Então os despedi em tarde fria,
Pensando: Esgotei meus atrativos.
Vai-se o bebê com a água da bacia...

E na plataforma os vi partir
No trem, humilhados, pensativos,
Porque nada tinha a lhes servir...

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20/04/2017

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Depoimento (de Alma Welt)

Escrevendo tudo posso e tudo sou
Embora no final esteja atada
À minha alma, psichê, anima, "soul"
Com seu núcleo resistente, não fachada.

Mas não gosto de dizer sou isto e aquilo,
Evidência, a meu ver, de má poesia.
Ninguém me ouviu dizer que sou o Nilo,
Nem vento minuano ou maresia...

Entretanto viajo em quase tudo
E por vezes mesmo até "na maionese"
Com estes ruivos cabelos que não mudo.

E quando finalmente esteja dura,
Procurem minha alma em sua ascese
E verão que a mantive sempre pura...

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19/04/2017

Viagens (de Alma Welt)

Viajei pelo mundo e pelas eras
Através dos muitos livros de romances
E de contos e novelas nas estantes,
Sem passagens, sem filas, sem esperas.

Com os clássicos cresci, desabrochando
Em aventuras nas maiores capitais;
Paris me viu nas torres badalando
Da Notre Dame, em lances imortais.

Num salto, noutra peça, em outro ato
Me vi na pista do salão do Moulin Rouge
Onde fui um anão mestre e desenhei...

Porém, desapontada, a alma indulge
Quando me acontece estar de fato
Nas cidades que em leitura imaginei...

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19/04/2017

terça-feira, 18 de abril de 2017

Para que serve a Poesia (de Alma Welt)

Interpretar o mundo é o que me cabe
Pois a poesia não passa senão disso:
Uma janela num muro que se abre,
Uma lunática luneta, um compromisso

Com toda presença morta ou viva,
E a ciência de descrever as almas
(um tanto empírica e instintiva)
Como cigana a ler as nossas palmas.

Pouco levada a sério é esta Poesia,
Como se fora brinquedo de criança
Ou recurso de quem já se enfastia.

Mas olha, um bom verso descortina
A tua mesma alma em confiança
Respeitando teu silêncio e tua sina...

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18/04/2017

Nobreza (de Alma Welt)

Uma parte de mim é o meu afeto
Pelas coisas desprezadas por juízo:
Não só falhas, fraqueza, um pobre teto
De vidro sob a chuva de granizo,

Mas segredos guardados por pudor
Que fornecem um tom meio indeciso,
Uma tristeza amena ou mesmo dor,
Um ligeiro desconforto no sorriso...

Não os filhos mais diletos da beleza,
Triunfantes ostentando o privilégio
(que estes não precisam minha defesa),

Mas aqueles marcados com um "Não",
Por manterem misterioso traço régio,
Uma nobreza sem jeito e sem razão...

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18/04/2017

terça-feira, 11 de abril de 2017

O show deve continuar (de Alma Welt)

Chegamos ao mundo sem propósito
E não com uma bula para usar.
Nem estávamos empilhados num depósito
Aguardando a etiqueta pra embarcar.

Deus quer nossa inspiração, encantamentos
E diz: "Surpreendam-me, meus filhos, quero ver!
Livre arbítrio é isso: experimentos!
Cada um se esforçando a Me entreter!"

Quanto a mim, sapateio noite e dia
Qual Fred Astaire e seu chapéu-palheta
Ou Carlitos com a sua bengalinha

Mas só no papel com minha poesia,
Na vida: moça tímida, quietinha...
É mentira! Não sou tão assim careta...
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11/04/2017







Eu e meu Anjo (de Alma Welt)

Há um anjo que comigo perambula
Como fosse meu piloto dedicado.
Ele diz que em suas asas acumula
Outras milhas que farão o meu traslado.

No começo o pensava meu capanga
E cheguei a dar-lhe ordens duvidosas
Como alguém que só quer soltar a franga
Naqueles dias de vinhos e de rosas...

Mas assentei, afinal, minha cabeça
Porque um dia me deixou na mão, partiu,
Eu a gritar: "Perdão, meu anjo, desça!"

Agora estou bem mais comportada
Embora com a cabeça ainda a mil,
Com metade da alma amordaçada...

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11/04/2017

O peso das palavras (de Alma Welt)

Acorrentados estamos às palavras
Que pensávamos voláteis, inconstantes.
O seu peso relevamos, suas travas
E suas fundas pegadas de elefantes.

Queres desdizer-te? Agora é tarde!
Falaste mais que a boca, certamente...
Com boas intenções no inferno arde
Toda a vã palavra inconsequente.

Não podes apagar-te com borracha
Assim como desfazer o mal que fazes
Pois logo no seu nicho ele se encaixa.

De coelho as palavras não são coitos,
Reflitamos duas vezes, ó afoitos,
Bocas grandes, boquirrotos contumazes!

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11/04/2017

sábado, 8 de abril de 2017

La Bele au Bois Dormant (de Alma Welt)

"Nossos piores pesadelos somos nós,
Tanto quanto o melhor dos nossos sonhos.
Nossa alma administra os contra e os prós,
Nossos floridos campos e os medonhos..."

Dizia minha doutora predileta
Enquanto eu a olhava embevecida,
Como se fosse ela a minha meta
E eu a sua bela adormecida

Que sonhava estar dormindo nos seus braços,
Nós cercadas à distância pelo bosque
De espinhos invejosos dos abraços...

A vida é sonho, caldeirão ou uma barca; *
Nosso castelo não passa de um quiosque
Que erguemos onde nosso barco atraca...

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08/04/2017

Nota
* A vida é sonho, caldeirão ou uma barca - alusão à famosa peça
" La vida es sueño", de Pedro Calderón de La Barca.

terça-feira, 4 de abril de 2017

Dois reinos ( de Alma Welt)

Vem, amor, eu te conduzo ao meu jardim
E serei teu guia em meio às rosas.
Lá fora, no mundo, sei que posas
Mas aqui nada é mistério para mim.

Que posso te dizer, que ainda não saibas
Se nós nos vemos somente num café?
Talvez aqui no meu jardim, menor me caibas,
Aqui podemos caminhar juntos e a pé.

És um homem decidido, de gravata
E de pasta na mão com documentos,
Nada posso com teus muitos argumentos...

Vem para o meu mundo, onde governo
Meu pequeno reino, e sem bravata
As rosas que não minhas, mas do Eterno...

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04/04/2017

A Comédia (de Alma Welt)

Também eu em meio à vida me perdi
Por quatro anos numa selva escura,
Num tipo de auto-exílio em que me vi
Só por ser, talvez, ingênua e pura.

Era morto meu pai e o nosso mundo...
Começaria a guerra de família *
Pela herança, o casarão, e mais ao fundo,
Pelo vinhedo em torno e a coxilha.

Então, tola, enojada, me afastei
Para não me envolver em ninharias
Que de meu pai, isso herdar considerei.

Na Paulicéia transformei-me ou aprendi,
E vim lutar por um mundo que escolhi,
Com novas sábias e cruéis patifarias...

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04/04/2017

Nota
*Começaria a guerra de família - Para conhecerem essa saga de família, a luta da Alma pela Herança de seu pai e avós, leiam o romance A Herança, de Alma Welt. disponível em e.book pela amazon.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

O labirinto e os sinos (de Alma Welt)

Nós pensamos dirigir as nossas vidas,
Determinando nosso tom e os destinos...
Pobres de nós em meio às nossas lidas,
Perguntando por quem tocam o sinos!

Na verdade, já não tocam velhos sinos,
E também não temos tempo para isso,
Atrasados para um certo compromisso
Em frente ao labirinto do rei Minos.

Na verdade já entramos sem dar conta
E também nos dirigimos para o centro
Embora a gente nunca esteja pronta.

É sempre a velha história: falta o fio,
Que nos permitiria ir mais para dentro
A fluir infinito o nosso rio...

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03/04/2017