domingo, 21 de maio de 2017

Nossa Opereta Bufa (de Alma Welt)

                            Dois esqueletos disputando um enforcado - James Ensor

Nossa Opereta Bufa (de Alma Welt)

Começo a ter vergonha dos meus sonhos
Diante dos sonhos frustrados do meu povo.
Configuram-se-me agora tão bisonhos
E enquanto morrem juntos, me comovo.

Como posso colher flores, fazer verso,
E romântica a perseguir o belo
Manter a sintonia com o universo
Se minha pátria tem governo paralelo?

Respaldo obscuro dos senhores
A quem manipula qual fantoches,
Satã é comediante de deboches...

Somos platéia de uma opereta bufa
De que nem aproveitamos os humores:
Por nossa própria forca "o" caixa rufa...*

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21/05/2017


Nota
*Por nossa própria forca "o" caixa rufa - Pra quem porventura não entendeu o sentido deste verso, eu explico: Por ocasião de um enforcamento os tambores chamados caixa rufavam (eram tocados com batidas rápidas de duas baquetas) até cessarem subitamente com o cair do alçapão que se abria sob os pés dos condenados. Aqui o caixa alude também ao famigerado "caixa 2" de nossos empresários e políticos.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

A Nova Arca ( De Alma Welt)

Tanto horror a consciência não abarca
E suspeitamos ser Dilúvio novo.
Necessitamos urgente nova Arca
Que desta vez nos salve, a nós, o povo.

Na terra, iniquidade e vilania
Se expõem diante nós, de ti, de mim,
Aviltando nossa vã cidadania
Impotente ante a marca de Caim.

Venham ondas, tormentas e tornados
Mas que a novo Noé ninguém se arvore
Que já temos suficientes magistrados...

Os extremos já se tocam, relam rentes,
Deus deixou que o Diabo colabore
Nesta arca repleta de serpentes...

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19/05/2017

O silêncio dos mortos (de Alma Welt)

Silenciosos, os mortos nunca gritam,
Nem nos cobram as injúrias e as dores
Do mal que lhes fizemos, nem se irritam,
Quando lhes depositamos belas flores.

Compartilham do sono da Natura
Nos belos tristes hortos em que os temos
Com anjos de metal ou pedra dura,
Silenciosos, compassivos e serenos.

Estas frias lousas planas, muito lisas,
Talvez não sejam senão campos de testes
Onde sem asas os corpos pousaremos.

Somente ao farfalhar sutil das brisas
Nos sinistros galhos negros dos ciprestes
Também nosso silêncio percebemos...

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19/05/2017

quarta-feira, 17 de maio de 2017

O Sonho que produz monstros (de Alma Welt)

                                                "El sueño de razón produces monstruos" - gravura de Goya

O Sonho que produz monstros (de Alma Welt)

Sou parceira da noite e a atravesso
Em acesa vigília noctambúlica
Em busca de um determinado verso
Que redima em mim a coisa pública.

Quer dizer, que faça a vida ter sentido
Numa época de caos e podridão
Em que o senso de beleza foi banido
Pela usura em quatro dedos de uma mão.

Keats disse que a Beleza é a Verdade
Mas a feiura reina impenitente
Seguida por um grande contingente

De fiéis veneradores do grotesco
Ser criado não à luz da divindade
Mas de sonho da razão falso goyesco...

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17/05/2017

A Torre de papel (de Alma Welt)


                                    A Torre de Babel- Pieter Bruegel


A Torre de papel (de Alma Welt)

A nós foi dado o tempo e a liberdade
Para fazer dos dois nosso caminho.
O destino é incerto, na verdade,
E sem rótulo a garrafa deste vinho...

Não sabemos como é o fim da estrada
E, muitos, suspeitamos de um nó
Que desatado não é senão o Nada
Que nos foi prometido como o pó.

É verdade que me destes a Poesia,
Que é o código geral da algaravia
A que nos condenastes em Babel...

Perdoai, Senhor, se ousei construir-me
E entre as controvérsias ficar firme,
Afinal a minha torre é de papel...

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17/05/2017

terça-feira, 9 de maio de 2017

O único conselho (de Alma Welt)

Deus me poupe a tentação de dar conselhos
Pelo perigo de ser falsa conselheira
Apesar daqueles meus pelos vermelhos
Provarem que sou ruiva verdadeira.

Como saber o que é pra ti melhor
Se ainda sequer sei a que estamos,
De onde viemos, para onde vamos
E quem somos numa esfera bem maior?

A vida é trágica, me perdoa relembrá-lo
(bem sei que queres só leveza no viver)
Pois a Morte ainda monta o seu cavalo...

E eu, sendo uma grande pessimista,
Eis tudo o que eu tenho a te dizer:
Viva, até por nada, e não desista...

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09/05/2017

O inquieto coração (de Alma Welt)

A vida sempre tem seus próprios planos,
Presunçoso é quem pensa controlá-la
Já que somos seres fracos, nós, humanos,
Que não temos mais Elísios nem Walhalla.

Não há mais quem afronte os próprios deuses
E os violentos são escravos de um Poder.
O homem independente existe, às vezes,
Mas já não quer mais se deixar ver.

Um espírito reina agora, de rebanho,
E todos querem no todo se encaixar
Para obter no mínimo algum ganho.

Só os poetas ainda escolhem a solidão
Porque, inquietos, não se deixam subornar
Pela atraente e falsa paz do coração...

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09/05/2017

sábado, 6 de maio de 2017

Filosofia poética (de Alma Welt)

Viver é, por si mesmo, ambiguidade
Pois temos o Inferno e o Paraíso
Só a um particular nosso juízo
De um momento fatal de nossa idade.

Se escolheres o Inferno tens o Mundo
Em sua face oculta e miserável
Que te saciará no mais profundo
Do Mal que para ti será amável.

Serás rico, terás honras e comendas,
E nos centros formadores de cabeças
Honoris causa sem que sequer mereças.

Mas se porventura o Bem escolhes,
Teu caminho é um soneto com emendas,
Mas de ouro é a chave que tu colhes...

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06/05/2017

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Nossa vida Idiota (de Alma Welt)

Estar no mundo, por si é um mistério
Que jamais resolveremos, certamente,
Pois é a essência da Vida, seu critério
Insondável como Deus e Sua mente.

Tanto mais que para nosso desconforto
A vida é, o mais da vezes, idiota
Com a nossa veleidade poliglota
E as Torres de Babel longe do Horto.

Só queríamos voltar ao aprazível
Jardim de nossa Infância preguiçosa
Quando não tinha espinhos nossa rosa

E não tínhamos que tirar cueca e blusa
Para estarmos de novo no indizível
Paraíso de uma fábula inconclusa...

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05/05/2017

Anticlímax (de Alma Welt)

"Estou velho e às vezes me revolta
Esta diária caminhada longa e lenta
Até o supermercado, ida e volta
Carregando sacos de polenta"

"Ou de outra coisa imprescindível
Que a patroa exige e encomenda
E que já não me parece compreensível
Mas que busco para evitar contenda... "

Me dizia um senhor que mora ao lado,
Com um sorriso triste, o senhor Max,
Incapaz de esconder o seu enfado.

E eu fechei a porta, também triste,
Pois vi que a vida acaba num anticlímax,
Eu que sonhava a glória e o seio em riste...

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05/05/2017

quinta-feira, 4 de maio de 2017

O tempo presente (de Alma Welt)

O Tempo que nos cabe é o presente,
Fugidio como peixe ensaboado
Que escapa-nos dos dedos de repente
E ficamos para ele no passado.

Ele deixa-nos pra trás sem mais delongas
Sonhando com o tempo do Afonsinho
De gregárias calendas de milongas
Num qualquer saudoso Bar do Minho.

Onde um luso de bigodes como um muro
Servindo pinga e não água corrente
A nossa boemia fomentava...

E como éramos felizes no presente
Daquele tempo repleto de futuro,
A sonhar com quase tudo que calhava!

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04/05/2017

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Nós, o Povo (de Alma Welt)

Pensamos ter um amparo neste Vale
De lágrimas, com um espantoso coro,
Com ranger de dentes,"male e male",
Confiantes na justiça d'um só moro.

Nada temos, todavia, impotentes
Diante dos poderes dos corruptos,
Arcanjos da Maldade em suas mentes,
Cercados não de "putti", mas de putos. *

Nós, o povo, herdeiros do desastre,
Por fatais erros de voto e julgamento
No Inferno dos Outros como Sartre...*

E de Sísifo vivemos o tal Mito, *
Pois Camus detectou nosso tormento:
Morro acima não o grão mas o granito...


03/05/2017

Notas
*Cercados não de "putti", mas de putos- Em italiano, putti, plural de putto, são aqueles anjinhos bebês , com asinhas, que voam em torno dos Santos, dos arcanjos e da Virgem Maria. Aqui Alma usa o calão "putos" para designar os prostituídos da política.

*No Inferno dos Outros como Sartre - alusão à famosa frase de Sartre na sua peça teatral Entre Quatro Paredes: "O Inferno são os outros... "

*E de Sísifo vivemos o tal Mito- alusão ao mito grego de Sísifo, rei que ao morrer, no reino de Hades foi condenado a carregar eternamente uma grande rocha até o alto de montanha, deixá-la então rolar até em baixo para novamente empurrá-la morro acima, num círculo de eterno tormento. Albert Camus, rival de Sartre analisa esse Mito no seu livro O Mito de Sísifo, como alegoria do destino humano na Terra.

terça-feira, 2 de maio de 2017

A vida do saber (de Alma Welt)

A vida do saber é caminhada
Inexorável em direção à solidão,
Aquela tanto por ti mesma rejeitada
Quando buscavas turma e compreensão.

"Mas então, qual a vantagem?"- me perguntas.
"Não devíamos formar um ou nos unir?
Formar a grande lama com que juntas
Os tijolos da alta torre do Devir?"

Não, amigo... alma sim, nada de lama.
A individualidade mais suprema
Que será julgada na hora extrema.

Ainda buscas teus amigos de outra hora?
Eles liam o teu livro pela rama
Enquanto caminhavas para a Aurora!

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02/05/2017

O resumo (de Alma Welt)

"Teu sótão atravancado de promessas,
Sonhos de interesse momentâneo,
Coisas de que não mais te interessas,
Varra ou jogue fora do teu cranio"

Meu pai disse entre seus mais de mil livros
Aos quais o seu apego eu herdaria,
Já que, segundo ele, estavam vivos
E continham o Mundo e sua Poesia...

Mas um dia, sentindo-me oprimida
Por outros mil volumes (quem me dera
ter chegado à metade dessa lida)...

Perguntei: "Qual dentre eles nos resolve,
Os outros todos resume ou exonera?
Disse meu pai: "Os Irmãos Karamazov".
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02/05/2017

domingo, 30 de abril de 2017

Da natureza do Destino ( e Alma Welt)

Não há maior mistério que o Destino,
Talvez por sua infinita variedade
Embora seu perfil seja tão fino
Que não podemos vê-lo, na verdade.

Mas de frente é sempre surpreendente
E tantas vezes mesmo apavorante
Por ser quase sempre concludente
Ao proibir-nos de avançar, de ir avante...

Sua natureza é contra o Tempo
E avessa ao Infinito e aos deuses
Que o veem como simples contratempo.

Mas nós, passageiros da Agonia
Preferimos repetir nossos adeuses
A chegar onde afinal a gente ia...

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30/04/2017

Equilíbrio (de Alma Welt)

O equilíbrio entre o coração e a mente
Busquei para efeito de harmonia.
Minha repulsa ao coração demente
Está em minha prosa e na poesia.

Os doidos não suporto, eis a verdade,
Nem aqueles loucos contra o vento
Dos moinhos da nossa sociedade,
E nunca contra o cerne do momento.

"Seja mais clara, Alma"- alguém me diz-_
"Tu te pões dentro de um círculo de giz
Porque tratas de coisas obscuras."

Mas se lido com a natureza humana
Não posso ser o farol que tu procuras
Pois o Mistério amo... e dela emana.

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29/04/2017

sexta-feira, 28 de abril de 2017

A Alquimista (de Alma Welt)

Sei que me esforço para ser universal,
Não chorona de um perpétuo mimimi
De quem pouco se conhece ou muito mal
Na persistência em só falar de si.

"És pretensiosa, isso sim!"- alguém me disse-
Ou não disse, na verdade, e imagino...
Comigo dialogo, esquisitice,
Pois nos sinos que dobram ouço meu sino.

Mas pra falar assim de todos, ser ouvida
Fervo minha retorta ao quase estouro,
Tenho toda vã matéria dissolvida.

Ali, onde, alquimista, busco a Pedra
Filosofal, e que não se torna ouro
Mas de onde o saber profundo medra.

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28/04/2017

Questões da guria do pampa (de Alma Welt)

Retornaremos um dia à Inocência?
Qual será nosso Juízo no Final?
Os justos herdarão a permanência,
E os ímpios perderão o seu quintal?

Tais perguntas eu fazia de guria,
Dos sermões do padre atenta ouvinte,
Que a justiça final nos prometia
Sem dizer como ficava o dia seguinte.

E eu só queria restar no casarão
Mas com a coxilha até o horizonte
E o vinhedo dos avós como razão...

Acolhido foi do Éden o nosso leste,
Meu pampa é a chegada e não a ponte,
Senhor, sou apegada ao que me deste...

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28/04/2017

Considerações sobre a vingança (de Alma Welt)

Separarmos a justiça da vingança
Seria um estágio mais acima,
Que é quando a humanidade avança,
Ou coisa que o bom senso nos ensina.

Entretanto Hamlet em nós persiste
Com essa fabulosa confusão.
A vingança infelizmente existe
Qual fundamento ou só básica paixão.

Queremos mesmo vingar nossos fantasmas
Ou somente aliviar as nossas asmas
Pois o nosso próprio rei é que está nu.

Como prato que se deve comer frio,
Continua a preferencia do menu
Enquanto o Tempo corre como um rio...

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28/04/2017

A advogada (de Alma Welt)

Viver neste mundo é a premissa
Da pena que nos coube, ou maldição.
Não estou convencida da justiça
Da nossa triste e malfadada expulsão.

Senhor, perdão, por quê tanto rigor,
E não punir o casalzinho com um pito,
Pois só quis conhecer o teu sabor
No formato de um fruto tão bonito?

Fostes Vós quem criou a Tentação,
Convenhamos, isso é um tanto desleal!
Cartas marcadas no jogo da Razão.

E foi Vosso o próprio fruto, de repente,
Que me fez a advogada do casal
E não do tal diabo da Serpente...

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28/04/207

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Estrela da Poesia (de Alma Welt)

A poesia me salvou de quase tudo
Embora não criada para isso.
Orfeu olhou pra traz insubmisso
E perdeu a sua amada: lex ludo.

Depois, o nosso herói dilacerado
Teve a cabeça com a lira preservada
Em memória e honra do coitado,
E só a lira no fim foi estrelada...

Ser estrela a alma minha aceita,
Constelação já minha mente não delira,
É demais... pra tanto brilho não fui feita.

A arte vale bem mais que o artista.
Somos meros portadores de sua lira
Se não perdemos o nosso amor de vista...

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26/04/2017

O Hexaedro da Colmeia (de Alma Welt).

Ocorreram quase todos meus receios
E o que aconteceu de bom não esperava.
Mas o destino encontrou modos e meios
Quando eu, desastrada, me afogava...

Não temos mesmo o controle desta vida
E então somos levados na corrente,
Mas Deus lança uma boia salva-vida
Se a gente não se entrega simplesmente.

"Bah! É tão fácil assim, Alma inocente?"
-Me disse uma professora ateia-
"Tudo isso a simples Física desmente."

Mas Deus criou a física e a geometria
Basta ver o hexaedro da colmeia...
Estava lá, e, desgarrada, me acolhia.

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26/04/2017

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Conselho a mim mesma (de Alma Welt)

Escolhido o verso alexandrino,
Quatorze para ser mais específico,
Dirigi-me a um público mais fino
Que iria fruir meu dom prolífico...

Ora, Alma, este soneto está pedante!
Começaste muito mal, vamos convir.
Não precisas explicar o elefante,
Sete cegos apalpando hão de vir.

Se tens algo a dizer solte uma pomba
Com a mensagem do coração e mente
De um cego que reconheceu a tromba...

Lançado o elefante em pleno ar,
Então deixe-o seguir pela corrente
Ao sabor do vento, leve, a flutuar...

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21/ 04/2017

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Livros (de Alma Welt)

Nasci num mundo de abundância
Pois meu pai tinha quase dez mil livros,
Encanto e mistério meu da infância
Já que pra mim estavam todos vivos.

Bastava abri-los e começar a ler
Que o mundo todo se encantava...
Não "faz de conta", muito mais um "vir a ser"
Mais real que o real que me cercava.

Era Aab mas também a Moby Dick,
E o narrador agarrado num caixote
Previsível, do navio que foi a pique.

Mas quanto ao impagável Dom Quixote
Eu não queria sê-lo nem um pouco,
Que almejava ser Cervantes, não o louco...

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20/04/2017

Pequena crônica (de Alma Welt)

"Em que mundo vives, minha Alma? "
Disse o meu amigo Serafim
Quando o convidei na tarde calma
A comigo colher flores no jardim.

"De que lado estás?" perguntou outro
Quando o convidei numa manhã
A laçar e trazer do pasto um potro,
Que tachou de "suprema coisa vã".

Então os despedi em tarde fria,
Pensando: Esgotei meus atrativos.
Vai-se o bebê com a água da bacia...

E na plataforma os vi partir
No trem, humilhados, pensativos,
Porque nada tinha a lhes servir...

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20/04/2017

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Depoimento (de Alma Welt)

Escrevendo tudo posso e tudo sou
Embora no final esteja atada
À minha alma, psichê, anima, "soul"
Com seu núcleo resistente, não fachada.

Mas não gosto de dizer sou isto e aquilo,
Evidência, a meu ver, de má poesia.
Ninguém me ouviu dizer que sou o Nilo,
Nem vento minuano ou maresia...

Entretanto viajo em quase tudo
E por vezes mesmo até "na maionese"
Com estes ruivos cabelos que não mudo.

E quando finalmente esteja dura,
Procurem minha alma em sua ascese
E verão que a mantive sempre pura...

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19/04/2017

Viagens (de Alma Welt)

Viajei pelo mundo e pelas eras
Através dos muitos livros de romances
E de contos e novelas nas estantes,
Sem passagens, sem filas, sem esperas.

Com os clássicos cresci, desabrochando
Em aventuras nas maiores capitais;
Paris me viu nas torres badalando
Da Notre Dame, em lances imortais.

Num salto, noutra peça, em outro ato
Me vi na pista do salão do Moulin Rouge
Onde fui um anão mestre e desenhei...

Porém, desapontada, a alma indulge
Quando me acontece estar de fato
Nas cidades que em leitura imaginei...

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19/04/2017

terça-feira, 18 de abril de 2017

Para que serve a Poesia (de Alma Welt)

Interpretar o mundo é o que me cabe
Pois a poesia não passa senão disso:
Uma janela num muro que se abre,
Uma lunática luneta, um compromisso

Com toda presença morta ou viva,
E a ciência de descrever as almas
(um tanto empírica e instintiva)
Como cigana a ler as nossas palmas.

Pouco levada a sério é esta Poesia,
Como se fora brinquedo de criança
Ou recurso de quem já se enfastia.

Mas olha, um bom verso descortina
A tua mesma alma em confiança
Respeitando teu silêncio e tua sina...

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18/04/2017

Nobreza (de Alma Welt)

Uma parte de mim é o meu afeto
Pelas coisas desprezadas por juízo:
Não só falhas, fraqueza, um pobre teto
De vidro sob a chuva de granizo,

Mas segredos guardados por pudor
Que fornecem um tom meio indeciso,
Uma tristeza amena ou mesmo dor,
Um ligeiro desconforto no sorriso...

Não os filhos mais diletos da beleza,
Triunfantes ostentando o privilégio
(que estes não precisam minha defesa),

Mas aqueles marcados com um "Não",
Por manterem misterioso traço régio,
Uma nobreza sem jeito e sem razão...

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18/04/2017

terça-feira, 11 de abril de 2017

O show deve continuar (de Alma Welt)

Chegamos ao mundo sem propósito
E não com uma bula para usar.
Nem estávamos empilhados num depósito
Aguardando a etiqueta pra embarcar.

Deus quer nossa inspiração, encantamentos
E diz: "Surpreendam-me, meus filhos, quero ver!
Livre arbítrio é isso: experimentos!
Cada um se esforçando a Me entreter!"

Quanto a mim, sapateio noite e dia
Qual Fred Astaire e seu chapéu-palheta
Ou Carlitos com a sua bengalinha

Mas só no papel com minha poesia,
Na vida: moça tímida, quietinha...
É mentira! Não sou tão assim careta...
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11/04/2017







Eu e meu Anjo (de Alma Welt)

Há um anjo que comigo perambula
Como fosse meu piloto dedicado.
Ele diz que em suas asas acumula
Outras milhas que farão o meu traslado.

No começo o pensava meu capanga
E cheguei a dar-lhe ordens duvidosas
Como alguém que só quer soltar a franga
Naqueles dias de vinhos e de rosas...

Mas assentei, afinal, minha cabeça
Porque um dia me deixou na mão, partiu,
Eu a gritar: "Perdão, meu anjo, desça!"

Agora estou bem mais comportada
Embora com a cabeça ainda a mil,
Com metade da alma amordaçada...

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11/04/2017

O peso das palavras (de Alma Welt)

Acorrentados estamos às palavras
Que pensávamos voláteis, inconstantes.
O seu peso relevamos, suas travas
E suas fundas pegadas de elefantes.

Queres desdizer-te? Agora é tarde!
Falaste mais que a boca, certamente...
Com boas intenções no inferno arde
Toda a vã palavra inconsequente.

Não podes apagar-te com borracha
Assim como desfazer o mal que fazes
Pois logo no seu nicho ele se encaixa.

De coelho as palavras não são coitos,
Reflitamos duas vezes, ó afoitos,
Bocas grandes, boquirrotos contumazes!

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11/04/2017

sábado, 8 de abril de 2017

La Bele au Bois Dormant (de Alma Welt)

"Nossos piores pesadelos somos nós,
Tanto quanto o melhor dos nossos sonhos.
Nossa alma administra os contra e os prós,
Nossos floridos campos e os medonhos..."

Dizia minha doutora predileta
Enquanto eu a olhava embevecida,
Como se fosse ela a minha meta
E eu a sua bela adormecida

Que sonhava estar dormindo nos seus braços,
Nós cercadas à distância pelo bosque
De espinhos invejosos dos abraços...

A vida é sonho, caldeirão ou uma barca; *
Nosso castelo não passa de um quiosque
Que erguemos onde nosso barco atraca...

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08/04/2017

Nota
* A vida é sonho, caldeirão ou uma barca - alusão à famosa peça
" La vida es sueño", de Pedro Calderón de La Barca.

terça-feira, 4 de abril de 2017

Dois reinos ( de Alma Welt)

Vem, amor, eu te conduzo ao meu jardim
E serei teu guia em meio às rosas.
Lá fora, no mundo, sei que posas
Mas aqui nada é mistério para mim.

Que posso te dizer, que ainda não saibas
Se nós nos vemos somente num café?
Talvez aqui no meu jardim, menor me caibas,
Aqui podemos caminhar juntos e a pé.

És um homem decidido, de gravata
E de pasta na mão com documentos,
Nada posso com teus muitos argumentos...

Vem para o meu mundo, onde governo
Meu pequeno reino, e sem bravata
As rosas que não minhas, mas do Eterno...

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04/04/2017

A Comédia (de Alma Welt)

Também eu em meio à vida me perdi
Por quatro anos numa selva escura,
Num tipo de auto-exílio em que me vi
Só por ser, talvez, ingênua e pura.

Era morto meu pai e o nosso mundo...
Começaria a guerra de família *
Pela herança, o casarão, e mais ao fundo,
Pelo vinhedo em torno e a coxilha.

Então, tola, enojada, me afastei
Para não me envolver em ninharias
Que de meu pai, isso herdar considerei.

Na Paulicéia transformei-me ou aprendi,
E vim lutar por um mundo que escolhi,
Com novas sábias e cruéis patifarias...

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04/04/2017

Nota
*Começaria a guerra de família - Para conhecerem essa saga de família, a luta da Alma pela Herança de seu pai e avós, leiam o romance A Herança, de Alma Welt. disponível em e.book pela amazon.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

O labirinto e os sinos (de Alma Welt)

Nós pensamos dirigir as nossas vidas,
Determinando nosso tom e os destinos...
Pobres de nós em meio às nossas lidas,
Perguntando por quem tocam o sinos!

Na verdade, já não tocam velhos sinos,
E também não temos tempo para isso,
Atrasados para um certo compromisso
Em frente ao labirinto do rei Minos.

Na verdade já entramos sem dar conta
E também nos dirigimos para o centro
Embora a gente nunca esteja pronta.

É sempre a velha história: falta o fio,
Que nos permitiria ir mais para dentro
A fluir infinito o nosso rio...

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03/04/2017

quinta-feira, 30 de março de 2017

A torrinha (de Alma Welt)

"Perante a enormidade dos antigos:
 Michelângelo, Leonardo, Rafael,
Somos pigmeus, anões, tolos nanicos
Querendo erguer uma torre de Babel."

Assim dizia um professor que tive
E que no entanto era um dos bons,
Cuja amizade e colaboração mantive
Porque não lhe agradava meios tons.

Como ele, amava eu tanto o passado
Que de me vi paralisada de repente,
Incapaz de dar um passo e ir em frente.

Então vi que o soneto era olvidado
E que eu renová-lo ainda podia
Erguendo minha torrinha de poesia...

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30/03/2017

terça-feira, 28 de março de 2017

Os pintores (de Alma Welt)

Blasfemar contra vida, Deus me poupe
Embora o tenha feito contra o mundo,
Pois este se tornou um quadro imundo
E não limpo e claro como um Volpi...

Quanto a nós mulheres, bem queria,
Que fossemos sempre nuas, sensuais,
Um desenho do Guilherme de Faria
Ou do Klimt, nada menos, nada mais...

Mas o cenário, bá! um bom Van Gogh,
Monet, supremos gênios do campestre,
De um brilho de deixar a gente grogue.

Do bom Deus aprendizes empenhados,
Se esforçaram para superar o Mestre,
Que sorria ao olhar seus belos quadros...

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28/03/2017

domingo, 26 de março de 2017

O mundo dentro (de Alma Welt)

Reconstruir o mundo a cada dia
Pra não deixá-lo dentro esboroar,
É minha tarefa sempre ao acordar,
Se não o faço, a vida se esvazia.

"Acaso és o mundo?"-perguntais-
"Ele gira muito bem sem teus aplausos,
Seu grande livro nem registra os teus ais,
Não és mais que um contador de "causos".

Não é só dentro de mim que ele existe
Mas dentro de cada um, claro, também:
O de fora é o espectro que persiste.

Se queres mudar o mundo e a vida,
Muda-te a ti mesmo para o bem
E verás tua humanidade agradecida...

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26/03/2017

sábado, 25 de março de 2017

Revisão (de Alma Welt)

Piedade, peço eu pro pobre Judas
Que traiu porque estava combinado,
E foi, pelo seu Mestre, industriado,
Que precisava uma ou duas ajudas.

Sim, o outro foi São Pedro, o Negador,
Para quem Mestre Jesus deixou barato
Já que estava tudo tudo no contrato
Firmado entre nós e o Criador.

Porque, claro, Jesus bem nos conhecia,
E quão mal a gente escolhe e já escolhia.
Sim, estamos envolvidos nesse imbroglio...

Como posso separar o pobre honesto
Da escória, da caterva e do resto,
Se eu mesma mal distingo o que nem olho?

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25/03/2017

sexta-feira, 24 de março de 2017

O Mistério da Vida (de Alma Welt)

O mistério se renova dia a dia,
Não há como solvê-lo num repente.
Enigma é a vida no presente
E o passado não nos serve mais de guia.

Com os meus botões meditava eu, assim,
Quando passa um guri de bicicleta
E num simples aceno para mim
Meu retrato desta vida se completa.

Tudo é simples, Alma Welt, não complica,
Mistério é (talvez) não haver mistério,
Assim disse o Caeiro muito a sério...

E segui, de repente solta e leve
Na trilha que se chama Vai e Fica,
Onde se me alonga a vida breve...

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24/03/2017

quinta-feira, 23 de março de 2017

O Poeta (de Alma Welt)

O poeta não dorme, sempre alerta,
Ou vive encantado, adormecido?
São duas as espécies de poeta?
É um ser ressaltado, esmaecido?

Primeiro, não lhe queira rotular
Que ele pode estar bem ao teu lado
E deves convidá-lo pra jantar
Pois me parece bem esfomeado.

É normal... vive de brisa o infeliz
Porque voa em voo raso de perdiz
Mas tão só no que concerne às finanças.

Tudo isso é apenas seu esboço:
Se o deixares depois de dar-lhe almoço,
O verás brincando com as crianças...

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23/03/2017

quarta-feira, 22 de março de 2017

Autorretrato II (de Alma Welt)

De repente, eu no mundo me vi solta
Como uma folha a rodar na primavera
Como se um outono fosse em volta,
E eu, a doidivanas que não o espera.

Com o mundo, não um certo descompasso,
Mas maior fluência, como um rio.
No mais um bom porte e um belo passo
E beleza, de que não me vanglorio...

E por fluir, correndo um pouco à frente,
O que causa desconforto para alguns
De um certo tipo "auto-complacente".

Enfim, uma Alma feita pra Poesia
O que não significa soltar puns
Com perfume de rosa ou maresia...

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22/03/2017

terça-feira, 21 de março de 2017

Afinal (de Alma Welt)

Afinal, será o mundo como o vemos?
Poderemos confiar nos nossos olhos?
Conosco mesmo é que nós nos comovemos,
Barco em perigo, no meio dos escolhos...

Somos pilotos sem bússola, astrolábios,
A não ser dos nossos preconceitos
Que são por nós mesmos mal aceitos
Trancados, na verdade, em nossos lábios.

Não dizemos a verdade plenamente
E quase sempre resistimos à tortura
Sem o fundo entregar, da nossa mente.

E no final levamos para o nada
Segredos que só mesmo a morte cura
E ostentávamos há tempos na fachada...

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21/03/2017

sábado, 18 de março de 2017

Autorretrato (de Alma Welt)

Tem um lado nesta vida que é banal
E o aceito, confesso, mas a custo.
Procuro num riacho o vão e o vau,
E estou a esculpir meu próprio busto.

Atravessar o fútil e o vazio,
Um caminho de areia, não de rocha,
Pra não molhar somente o meu pavio
No meu pobre triunfo, a minha tocha.

Haverá quem me acuse de soberba,
Ou que preguiça nublou meu desempenho
Já que alta poesia é tão acerba...

Mas falar tanto de mim é meu direito
Pois o faço com paixão e tal empenho
Como se levasse o mundo pro meu leito...

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18/03/2017

sexta-feira, 17 de março de 2017

Colido ou escapo * (de Alma Welt)

O mundo é só um caleidoscópio
Formado de mandalas e ilusões
Como que causadas pelo ópio
Com arranjos, simetrias e fusões...

Assim dizia um filósofo-poeta
Que inventei e comigo não durou
Por descobri-lo, senão um bom pateta,
Um iludido que a vida mal olhou...

É preciso olhar por baixo e de viés,
E para ver o que o mundo mesmo é
É necessário por no chão os pés

E tomar um coletivo um dia ao menos
No Capão, Vila Matilde ou Tatuapé, *
E pegar trens sem a poesia dos acenos...

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17/03/2017

Notas
*Colido ou escapo - trocadilho da palavra "caleidoscópio" inventado pelos irmãos Campos em sua criativa transliteração experimental do Finnegan's Wake de James Joyce.

* No Capão, Vila Matilde ou Tatuapé - Alma, na sua temporada paulistana que durou apenas quatro anos, morou nos Jardins, num ateliê na rua Oscar Freire, onde a conheci. Entretanto acho possível que tenha se aventurado uma única vez em ônibus ou trens lotados para ir a outros bairros ou à periferia para conhecer realmente a cidade.

quinta-feira, 16 de março de 2017

Vida, Medusa (de Alma Welt)

A beleza tão terrível desta vida
É o que me dá vontade de chorar,
Embora a possa, a custo, encarar
Se não como à Medusa, parecida...

Tanto horror, hecatombes, holocaustos,
Que nos tiram até o gosto de viver,
Deixando-nos vazios e exaustos
De tentar assimilar ou compreender.

Então, como pode ser tão bela,
Se tem uma outra face tão horrenda
Que diariamente a nós revela?

Não é porque a olhamos nos seus olhos
Que, petrificados, não se a entenda:
Fomos feitos de lama, com escolhos...

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16/03/2017

O eterno retorno (de Alma Welt)

"Alma, podes retornar"- o Anjo disse -
"Não chegaste a terminar os teus sonetos."
E fez ligeiro esgar, como se risse,
E me jogou a chave dos tercetos.

"Ei, me espera, Anjo, isso não basta!"
Eu fui gritando, de novo revoltada...
"Estive confinada em minha casta,
Não aprendi desta vida quase nada!"

O arcanjo riu, voltando abriu as asas
E retorquiu: "Quê mais queres, queridinha,
Tens um dom, e até por isso não te casas..."

E eu: "Não quero me casar, eu quero o mundo
E saber como seria ir mais fundo
Sem precisar escrever uma só linha..."

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16/03/2017

terça-feira, 14 de março de 2017

O jogo das cadeiras (de Alma Welt)

A vida é um jogo, bem sabemos,
Cadeira para todos nunca houve.
Não importa o quanto bem joguemos,
O súbito silêncio é o que se ouve.

Um tem que cair fora, é uma pena
Mas a cadeira que sobrou será tirada
Para o mesmo contumaz jogo de cena:
Alguém caindo de costas na calçada.

Reparem na música, é um engôdo.
Ela cessará, assim, de súbito,
E alguém sobrará, e em decúbito.

Mas, pobre de ti se não jogares:
Serás invisível entre teus pares,
Um penetra, de pé, o tempo todo...

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14/03/2017

segunda-feira, 13 de março de 2017

Ser poeta (de Alma Welt)

Ser poeta é ter tanto o que fazer
Que não dará mais pra fazer nada.
É ficar com a alma exausta, esvaziada
Para enchê-la de novo ao bel prazer...

É também especular com os espelhos
E sabendo que não confiáveis são
Então neles dirigir na contramão
E tomar os verdes por vermelhos...

É procurar a infância no silêncio
Das nossas entrelinhas misteriosas
Como sobre o abismo a ponte pênsil

Ser poeta é ser formiga atarefada
E pra poder cantar sem ser calada
Travestir-se de cigarra em meio às rosas...

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13/03/2017

sábado, 11 de março de 2017

Ainda a Infância (de Alma Welt)

Contei muito do meu tempo de criança
E do quanto era feliz e bem sabia...
Não que eu o rimasse com Esperança
Porque o Futuro mesmo nem havia...

A vida era um Presente em duplo senso,
E eu o desfrutava como em festa
Com inocência e um prazer imenso
Que até hoje ele em mim ainda resta.

É claro que outros tempos me vieram
E no mínimo cruéis, perturbadores,
E deixaram suas marcas, suas dores...

Mas vejo que a reserva que disponho
De tudo o que os meus minutos eram,
Vem quando me transporto àquele sonho...

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11/03/2017

sexta-feira, 10 de março de 2017

Inspiração (de Alma Welt)

"Uma inspiração é necessária
Pra cada dia e noite em nossa vida,
Sem ela, tu não passas de gregária
Peçinha no rebanho, indefinida..."

"Enche o peito e solta devagar,
Sente a vida entrando nesse alento;
As formas e as idéias vêm no ar,
Não somos senão filhos do vento..."

Assim dizia um guru que nunca tive
Mas que bem pude imaginá-lo
E que, por tempos, simbólico, mantive.

Mas, de Deus, que mediações pouco tolera
No que tange à Arte e ao trabalho,
Ouvi: "Labuta, Eu chego, só espera..."

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10/03/2017

quinta-feira, 9 de março de 2017

Da vida... (de Alma Welt)

A verdade é que não se conformavam
Os antigos com a Morte, veja os túmulos!
Toda uma tralha consigo carregavam,
Uma vida inteira em seus acúmulos...

"Minha filha, desta vida tu não levas
Senão a saudade que deixares..."
Assim dizia minha avó catando ervas,
As daninhas e as finas pros jantares...

E eu que aprendi mais com minha avó
Do que com a biblioteca de meu pai,
Bem tentei preparar-me para o pó

Desapegando-me de tudo, ai de mim,
Por saber que do que entra nada sai,
E não carregas nem o cheiro do jasmim.

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09/03/2017

As perguntas (de Alma Welt)

Tenho medo da Morte e seu escuro
Como se ainda fosse bem pequena
E soubesse daquela sombra no muro
Esperando só para entrar em cena.

Os adultos não falavam, era tabu.
Por quê não respondiam minhas perguntas?
De meu avô também o rabo de tatu,
Dois enigmas e duas questões juntas...

Tudo aquilo que evitamos responder
A uma criança, boa coisa não será,
E eu prometi jamais algo esconder.

Entretanto descobri que não sabemos,
Então vivemos por isso ao Deus dará
Na mesma ignorância em que nascemos...

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09/03/2017

quarta-feira, 8 de março de 2017

Como pipas (de Alma Welt)

Para compreender a vida lanço versos
E como quem empina ao vento pipas
Os contemplo a produzir seus universos
Com apenas um papel e duas ripas.

Se os versos são a síntese do mundo
Quem os pode julgar em consciência
Se o seu voo ora sobe ou vai ao fundo
Com a mesma clara competência?

Com meus aéreos versos permaneço
A mirar a tela onde os levanto
Com a mesma alegria e mesmo espanto

De um jogo de crianças contra o azul
E com a mesma inocência do começo
Quando pipas empinava ao vento sul...

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08/03/2017

terça-feira, 7 de março de 2017

A Verdade (de Alma Welt)

Grandes sonhos e ilusões não tenho mais,
Mas conservo o mesmo gosto pelo Belo
E também os ideais de amor e paz,
Hoje apenas som ao fundo, como um celo...

O mundo não é senão saco de gatos,
Ou pior, ninho de cobras, como dizem
Aqueles que acreditam só nos fatos
Que com sigo, estes mesmos não condizem...

Descobrir o sentido, até me esforço...
Saberemos nós o que é a Verdade?
Até Jesus se calou ante a pergunta...

Pois a Razão foi feita pro remorso
Mas não para explicar o que nos junta,
Que é, no erro, nossa vã cumplicidade...

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07/03/2017

domingo, 5 de março de 2017

O Misantropo (de Alma Welt)

Mostrar aquilo mesmo que nós somos,
Quantas vezes resisto a essa bravata
Que o mundo não perdoa e põe em ata
Para cobrar mais tarde em cinco tomos...

Não diga ao mundo o que tu pensas, por favor,
Se a alguém tua opinião for ofensiva
Ou se ousares maldizer teu Criador,
Que a poucos interessa a carne viva.

Alceste, o Misantropo da comédia
De Moliére, acabou só, em uma ilha,
Talvez reescrevendo a Enciclopédia.

Não há, pois, como viver em sociedade
Se dizes o que pensas sem maldade,
Quanto mais se teu dente cerra e rilha.

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05/03/2017

sábado, 4 de março de 2017

O Congresso escuro (de Alma Welt)

"Ó homem! D'um abismo vive à beira,
Ignorando dos mortos o clamor..."
Assim dizia, sentado numa esteira,
O espectro de um velho professor.

Dizia uma caveira: "Riam agora,
Pois será meu todo e qualquer riso,
Pondo à mostra até dente do siso,
E isso lhes garanto, não demora."

Lá do fundo, toc, toc, um anjo branco
Então entrou neste congresso escuro:
"Bons senhores, me desculpem meu tamanco"

"Mas não pude deixar de interferir,
Deus me mandou dizer que existe o puro,
Que o reconhece pelo seu jeito de rir..."

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04/03/2017

sexta-feira, 3 de março de 2017

À Deriva (V) (de Alma Welt)

Ai de nós, que mal sabemos onde estamos
Por só acalentar velhas certezas;
O capitão perdeu seus portulanos
E estamos ao sabor das correntezas...

Capitão, meu capitão, o barco afunda
Desde que deixamos nosso cais...
Nossos porões a água já inunda
E não ousamos nem olhar pra trás!

Um bote salva-vidas e à deriva
É o que havia de restar, eu bem sabia,
Logo mal agradecida de estar viva...

Nau frágil não é só o que apavora
Quando a navegante o ser se arvora,
Mas toda a amplidão que se anuncia...

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03/03/2017

quinta-feira, 2 de março de 2017

A caravana (de Alma Welt)

Como não voltar à minha infância
Se lá já estava todo o meu querer,
Não aquele que redunda em jactância,
Mas da mente ansiando por saber?

Tudo era por fazer e descobrir
Mas também como se já houvesse sido
E estivesse esperando ser colhido,
Como a alma conspirando pra cair,

Repetir da humanidade cada passo...
E a jornada não seria assim tão clara
Como rota nas areias do Sahara,

Mas com cães latindo, estardalhaço
Seguido de um silêncio sem mordaça
Com que toda caravana altiva passa...

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01/03/2017

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

O Minotauro e a Lâmpada (de Alma Welt)

Pouca coisa sobraria pra dizer
Se poesia fosse mera confissão.
E se tanto devo à imaginação,
A poesia é minha só razão de ser.

Com ela junto os cacos e restauro
Minha frágil e duvidosa identidade
Antes que a leve o vento da saudade
Sem topar afinal meu Minotauro...

Sim, no centro do meu próprio labirinto
Lá está ele, feroz, e eu o sinto,
Mas também o cerne do Desejo

Sem o qual a minha Vida se dispersa,
Sem a lâmpada de um tal mercado persa
Em que mais nada quero do que vejo...

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28/02/2017

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

A cabrita (de Alma Welt)

Quando um dia não houver mais o que dizer
E toda a inquietude se aquietar,
Quando o anjo da guarda aparecer
Depois das vestes e as credenciais trocar,

Que eu não tenha mais medo nem perguntas,
Nem sequer esta vã perplexidade
Que afinal vai me travar todas as juntas
Numa boneca imóvel, sem idade,

Que seja belo o meu derradeiro acorde
Tendo sido afinada num instante,
Sem rancores, sem mágoas, por meu Lord,

"Não berra o bom cabrito", diz o povo,
E eu que fui uma cabrita esperneante:
"Senhor, estou quietinha, nem me movo..."

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27/02/2017

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Sopro e Semelhança (de Alma Welt)

Não poder saber jamais quem fomos
Numa suposta outra encarnação,
Ou se saber, talvez, dela supormos
Ser também ignorância ou ilusão...

Não sabermos mesmo nada além da vida,
Dos páramos que a Alma busca e anseia
Longe das dores e tormentos desta lida,
Se haverá em novos mares maré cheia,

Não me parece razoável, nada justo,
Já que roubamos o pomo da Razão
Pra, quem sabe, saber mais a todo custo.

Pois ao sermos tratados qual criança
Ficou em nós, depois do pito e do sabão,
Nada mais que o sopro e semelhança...

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26/02/2017

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Às cegas (de Alma Welt)

Constato a nossa ignorância
Com certo desespero, não sabermos
Quase nada da nossa vizinhança
E dos universos seus, tão ermos.

Não sabemos nem dos nossos reis primeiros,
Muito menos das pirâmides vazias
Repletas de mistérios pioneiros
E de mil ignoradas primazias...

Tateando por partes o elefante
Como aqueles pobres cegos somos
Da fábula dos homens de turbante...

E por mais que debrucemos sobre livros
Não logramos encontrar primeiros tomos,
Nossa ponte entre os mortos e os vivos...

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25/02/2017

De omeletes, ventos e espectros (de Alma Welt)

Sentei-me e meditei sobre a existência
E o destino, como o pobre Hamlet
Tentando ir além da aparência,
Quebrando os ovos pra fazer um omelete.

Mas não pude ir além da falsa rima
E da chamada "nossa vã filosofia".
Conservo bastante a auto-estima,
Mas como ele me perco em ironia...

Pois de sonetos enchendo minha arca
Comecei a me sentir em Elsinore,
No tal castelo do rei da Dinamarca...

Tanto mais que meu pai vem ao piano
Por mais que eu finja que ignore
Toda vez que aqui sopra o minuano...

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25/02/2017

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Anti-oração ao bom Deus (de Alma Welt)

Oriundos do antigo Paraíso
Estamos todos perdidos nesta Terra
Onde até mesmo o bom cabrito berra,
Esperando pelo dia do Juízo...

E me pergunto: Será que Deus nos ouve
Sob o ruído de fundo das estrelas?
Contará Ele só com quem O louve?
Nossas feições reconhece Ele ao vê-las?

Nós, os rebeldes, primogênitos de Adão,
Que há tempos elevamos nosso fumo
Que Vosso vento dispersou na contramão...

Tereis Senhor, conosco, complacência,
E mesmo que perdido o nosso rumo,
Um desconto nos dareis, pela carência?

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23/02/2017

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Paz aos mártires! * (de Alma Welt)

Desejemos paz aos mártires da vida!
Aos que em sua arena vão morrer,
Como coisa previamente decidida
E sem possibilidade de os reter.

Senhor, por quê a alguns negais a chance
De um futuro qualquer, seus simples sonhos?
Casamento, filhos, algo ao alcance,
Eventual faixa de Miss, feitos bisonhos...

Um diploma de engenheiro por empenho,
Ou de simples mecânico de unhas sujas,
Mas felizes os dois com seu engenho...

Não! Lá foram todos eles aos balaços,
Caídos na calçada ou aos pedaços
Como esboços apressados, garatujas...

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22/02/2017

Notas
*Paz aos mártires! - Com esta frase que retumbou solenemente sobre a arena do Coliseu, atribuída à São Pedro pouco ante dele mesmo se entregar, no auge do martírio dos cristãos, Alma se refere aos jovens assassinados diariamente no Brasil atual, que têm os seus sonhos interrompidos...
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* Senhor, por quê a alguns negais a chance/
De um futuro qualquer, seus simples sonhos? - Apesar da aparente falta de leis e ao caos reinante por culpa dos governantes, a poetisa, fatalista inconformada (contradição em termos, paradoxo) atribui isso aos desígnios misteriosos de Deus, mas O questiona ...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

A Gargalhada (de Alma Welt)

A taça  craniana de Lord Byron


A Gargalhada (de Alma Welt)

Ao nosso patético da existência
Deus compensou com a gargalhada.
Que é o riso tomado de veemência,
Risada de nervoso, escancarada.

A Ele bem apraz nosso arreganho,
Que, já está provado, é estrutural,
Com a parte inferior do nosso crânio
Naquela branca desfiada gutural...

Não que a Ele não apraza nossas dores...
Não! Ele as aprecia desde o início
Quando nos mandou catar ofício!

Mas o riso... bah! Dos seus pendores
É o preferido, e por isso gargalhemos!
A calva taça ergamos e o brindemos!

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21/02/2017

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Os ossos do ofício (de Alma Welt)

O primeiro requisito para o verso
É nascer da mais pura compulsão
Ou de um impulso controverso,
De necessidade forte em contramão,

Uma vontade às vezes de afirmar
Mas de preferência transgredir;
Sempre uma coisa ou outra preferir
Mas nunca em meias águas navegar.

Assim dizia um mestre meu na Escola
Teorizando sobre o dom de versejar
Enquanto a turma só queria jogar bola.

Mas meu mestre negou o desperdício
Que eu lhe apontei, de pérolas jogar,
Como primeiros ossos de um ofício...

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19/02/2017

A navegante da neblina (de Alma Welt)

Para alguns a neblina é escura irmã
Com algum toque de tristeza
Mas amo essa névoa da manhã
Que me faz erguer solerte e tesa.

E corro para fora a andar à toa
Para sentir na alma o céu baixando,
Com a alva da manhã se acomodando
Para eu por o pé na terra numa boa...

Cada qual com seu destino, diz o povo.
E eu grito mesmo tendo pouco visto:
Terra à vista! E nem pus de pé um ovo...

E então ponho o meu soneto a navegar,
Porque o que me resta, senão isto?
Sem poesia minha coxilha é falso mar...

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19/02/2017

Sentei-me à beira-rio (de Alma Welt)

Sentei-me à beira-rio desta vida
E meditei sobre o fluxo voraz
Das coisas preciosas, e a medida
Do agora, do quando e do jamais.

E percebi que o Tempo é relativo,
Mas não pelas razões do homenzinho
Que nos botava a língua com carinho, *
Criança que fora enquanto vivo...

E voltei no tempo em flash-back,
Coisa que com o gordo Welles aprendi *
E com seu botão de rosa de moleque. *

E à beira-rio lá estava eu de novo,
Não às margens do arroio do Chuí,
Mas do Tigre, em Babel com todo um povo... *

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19/02/2017

Notas
*Mas não pelas razões do homenzinho/
Que nos botava a língua com carinho- Referência à famosa foto de Einstein mostrando a língua, que denuncia o espírito pueril do grande sábio...

"... com o gordo Welles aprendi / e com seu botão de rosa de moleque - Alma se refere ao cineasta Orson Welles no seu grande filme Cidadão Kane, em que o personagem tem um flash-back de sua infância através de um pequeno trenó de neve chamado Rosebud (botão de rosa).

*Mas do Tigre, em Babel com todo um povo- alusão ao povo judeu em seu cativeiro em Babilônia, que ficava na Mesopotâmia, isto é, entre os rios Tigre e Eufrates... (Alma no seu flash-back é levada num retorno imemorial às origens bíblicas de nosso inconsciente coletivo judaico-cristão...
Salmos 137
1Junto aos rios da Babilônia sentamo- nos a chorar, com saudade de Sião. 2Nos salgueiros que lá existiam, pendurávamos as nossas harpas,…

sábado, 18 de fevereiro de 2017

A Idade da Razão (de Alma Welt)

Saudade tenho eu de quase tudo,
Embora, por um lado, seja jovem,
Que da infância meu filme não é mudo
E os mesmos sonhos me comovem...

Parece que foi ontem, assim o sinto:
Eu a correr no pasto da fazenda
Atrás de borboletas, numa senda,
Coisa que ainda faço, se não minto.

Assim persigo ainda a minha alma
Para tê-la na palma de minha mão
Como o dito: "Sua alma, sua palma".

Se finalmente a inocência foi perdida
E me alcançou a Idade da Razão,
Rebelde, não lhe dei boa acolhida...

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18/02/2017

O Tempo das Lamúrias (de Alma Welt)

"Acabou-se o tempo das lamúrias
E da desprezível auto-piedade.
Estamos na hora da verdade,
Livremo-nos das outras mais espúrias!"

Assim fazia eu a minha arenga
Num sonho inacabado que ocorreu
E que logo ao acordar se dissolveu
Pondo limite na longa lenga-lenga.

Senhor, livrai-me de discursos e conclames
Ou apenas poupai-me de vexames,
Como delírios, sonhos de canabiol!

Esta é a verdade que ainda há:
"Não há nada de novo sob o sol",
E as notas ainda são do re mi fá ...

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18/02/2017

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Juízo, ou Um certo soneto (de Alma Welt)

"Tertuliano, frívolo, peralta"... *
Assim um certo soneto começava
Recitado por meu pai que o citava
Como exemplo do que nos fazia falta.

E o soneto habilidoso mas naïf
Nos ficou como um "verme de ouvido",
Como no piano aquele "bife"
E outras coisas da saudade com que lido.

Minha infância querida, tão presente
Porém transfigurada em ironia
Para não perdê-la em brumas, de repente...

E eu, que a carrego em minha bagagem
A traduzo em meus versos de poesia
Com o "Juízo" de meu pai como miragem...

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17/02/2017

Nota
Eis o soneto citado, do poeta parnasiano Artur Azevedo, citado pela Alma , que o Pai dela, jocosamente declamava para recomendar a ela e a Rodo: Juizo!

TERTULIANO, O PASPALHÃO ( Artur Azevedo)

Tertuliano, frívolo peralta,
Que foi um paspalhão desde fedelho,
Tipo incapaz de ouvir um bom conselho,
Tipo que, morto, não faria falta;

Lá um dia deixou de andar à malta
E, indo à casa do pai, honrado velho,
A sós na sala, diante de um espelho,
À própria imagem disse em voz bem alta:

— Tertuliano, és um rapaz formoso!
És simpático, és rico, és talentoso!
Que mais no mundo se te faz preciso?

Penetrando na sala, o pai sisudo,
Que por trás da cortina ouvira tudo,
Severamente respondeu: — Juízo!

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

A Galeota (de Alma Welt)

                                                                           Galeota
A Galeota (de Alma Welt)

O soneto é da minha natureza
O princípio dominante e ordenador
Que me dota de rigor e de leveza,
Galeota indo além do Bojador.

Como de luso antigo navegante
E de sua preciosa caravela
Com seus portulanos e o sextante,
O meu sonho é o mesmo, nesta tela.

E então me sento a digitar
Para que o mundo fique claro
Por um momento meu de amor e mar,

Descobrindo logo um Mundo Novo,
Tão ingênuo truque, quanto raro,
Como Colombo ao por de pé um ovo...

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16/02/2017
Galeota

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

A Dor e a Alegria (de Alma Welt)

                                                 Festa súbita na aldeia - Pieter Bruegel

A Dor e a Alegria (de Alma Welt

A dor é arredia, solitária,
E conhecida por ter poucos amigos.
Mais chegada em espelhos e umbigos,
Sua aptidão, porém, é vária:

Coleciona saudades renitentes,
Pois gosta de ad eternum repetí-las
Fazendo das lentilhas suas lentes
E das exceções, chefes de filas...

A dor... ora, a dor! Que vá embora,
Que nunca fez falta nesta aldeia
Onde ao mencioná-la o povo cora.

Mas, Alegria? Venha! Hoje é festa!
Crianças, aqui tem bola de meia!
Adultos! Um bom porre ainda presta!...

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015/02/2017

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Ambiguidade (de Alma Welt)

O mundo é uma selva ou jardim
Dependendo do teu temperamento.
Tudo é uma coisa e outra em mim
E a ambiguidade é meu tormento.

Vejo a coisa por um lado, num momento,
De um claro e bom ponto de vista,
Depois, a despedaço e fragmento,
Como poeta sou um mau pintor cubista.

Como escolher, saber, qual a moral?
O mundo tem beleza dos dois lados
E é difícil separar o Bem do Mal...

Senhor, não deixastes muito claro,
Quando, como cães escorraçados,
Para que lado correr, perdido o faro...

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14/02/2017

Balanço da Vida (V) ( de Alma Welt)

"A vida, às vezes, me põe louca
Ou prostrada numa cama, raramente
Por não entender do outro a mente,
Mas por quê um idiota abre a boca..."

Assim dizia uma amiga muito esperta,
Que atrás do biombo seu, de laca,
Não saía de debaixo da coberta
Porque o mundo inteiro era "babaca".

Então eu lhe disse: "Minha amiga
O mundo precisa o teu conselho,
Teu balanço entre a cigarra e a formiga",

"Que venhas para cá onde está a vida
Que a todos à palavra nos convida,
Basta pra isso atravessares teu espelho..."

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14/02/2017

Lumpen e Dasein (de Alma Welt)

Do nosso caminho forjadores,
Talvez em parceria com o Destino,
A canção, o tom, o timbre e as dores
São nossa criação exceto o sino

Que dobrará no fim, por todos nós
Que ainda perguntamos por quem dobra, *
Quê rio é esse que chegou à sua foz
E quanto de nós mesmos ainda sobra.

Temos todos a haver uns com os outros,
Esse é o mistério do "estar aí" e ser,
*"Dasein" da maioria em panos rotos...

Sim, o "lumpen", ai de nós, pano de chão,
Que vivemos à mercê de algum poder,
A correr somente atrás do nosso pão...

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14/02/2017

Notas
*...exceto o sino / que dobrará no fim, por todos nós/
que ainda perguntamos por quem dobra - citação ou paráfrase do famoso verso do poema do poeta inglês elizabethano John Donne: "Por isso não pergunte por quem os sinos dobram/ Eles dobram por ti." Este poema é conhecido também pelo primeiro verso: " Nenhum homem é uma ilha".

* Dasein- conceito filosófico do "estar aí no mundo", condição aleatória do humano, na filosofia de Heidegeer.

Lumpen- ( pano de chão em alemão) da expressão marxista lumpenproletariat: Proletariado pano de chão, designando a camada mais baixa, em geral, dos desempregados do capitalismo.

Nota adicional: Não pensem que a Alma Welt é marxista ou sequer socialista . Alma Welt é humanista no maior sentido, e aqui lança mão criticamente de conceitos da direita e da esquerda...


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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Antigos Carnavais (de Alma Welt)





                                                          Ilustrações de J Carlos, da década de 20 e 30


Antigos Carnavais (de Alma Welt)

Sou jovem mas já tenho saudades
Dos velhos Carnavais que não vivi,
De Pierrôs e Colombinas sem idades
E de um Palhaço triste que ainda ri...

Belos corsos na avenida, de fordecos,
Melindrosas e seus lança-perfumes,
Serpentinas atiradas, reco-recos,
Marchinhas afiadas, mas sem gumes.

Nos salões máscaras belas, brincos, broches,
Como de antiga corte a Masquerade
Dos tempos de Antonieta e seus brioches.

E na Idade da Inocência, depois Mito,
Enquanto um Amor puro a alma invade
Eu cantando e dançando no Infinito...

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13/02/2017

O álbum (de Alma Welt)

A vida nos três tempos simultâneos
É a prerrogativa da Poesia
Que de nós coleciona os instantâneos,
Nosso álbum aberto à revelia.

Todos podem visitar a intimidade
Da vida dum poeta que se preze
Desde a sua mais tenra idade
Até quando ao vê-lo o povo reze.

O poeta, conquanto em si insiste,
Seu álbum fomos nós que o colamos,
Foto por foto, nós nos colecionamos.

Pois o Poeta é ilusão e mal existe:
Se o pensarmos fora não o achamos,
Senão como um rótulo persiste...

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13/02/2017

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Alma advogada (de Alma Welt)

Ofertar ao mundo leigo minha alma
Antes de entregá-la ao meu Senhor,
Blasfêmia talvez seja, dou a palma
Ao que disse uma vez meu confessor.

Abrir o peito, louca, em confissão
De estarrecer ou mesmo de encantar,
Quanta temeridade ou presunção
Da guria que a mãe bem quis calar!

Pelo Homem decidi, tomei as dores,
Isto é, da humanidade injustiçada,
E alcei a minha voz fraca e rimada.

Temos o Amor, tantos amores
Que o Anjo se esqueceu de nos tirar...
Desde então como pode nos culpar?

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12/02/2017

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Memórias da Relva ( de Alma Welt)

Se tiver que narrar o meu começo
Devo contar que fui parida em viagem
Na beira de uma estrada de rodagem
Mas por puro luxo, reconheço...

No acostamento, em verde relva,
Meu parto foi meio a canivete
Mas nas mãos de um rei, não um valete,
Que contava que fora em plena selva.

Em vez de álcool puro, um Steinhegger,
Para bem desinfetar o meu cordão
(mas que eu nunca iria mais beber).

Não me tornei pinguça por acaso
Pois ainda sinto o aroma, creia ou não,
E a relva é meu berço a longo prazo...

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11/02/2017

Pela fechadura (de Alma Welt)

A vida é a poesia do momento,
Vista assim de certo modo ou jeito,
E só a banalidade é um tormento
Quando se descobre o vão estreito.

Enxergar a vida, abrindo aos poucos
Nossa lente objetiva num desvão
Como quem olha durante a confusão
Pela fechadura o lar dos loucos.

Então vemos que o mundo é tão intenso
Que vale a pena ouvir o seu lamento
Mas sem esquecer de lado o lenço...

Porque haveremos, por certo, de chorar
Vendo o desenrolar de modo lento
Do que um dia nem queríamos olhar...

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11/02/2017

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Sem pacto (de Alma Welt)

                             Foto: Interpretação livre da cena da morte de Fausto, em encenação do Ballet Negro de Praga.



Sem pacto (de Alma Welt)

Quanto mais desperdiçamos nossa vida,
Mais persistente ela se torna
Como a dizer: "Não vale, estorna!
Jogaste fora teu salário, tua comida."

"Vou te dar por certo nova chance,
Não que a mereças, infeliz!
Não fizeste o que estava ao teu alcance
E quase me perdeste, por um triz!"

Creio, assim diria a vida se falasse
A todo acomodado em passatempos
Como se seu tempo não acabasse...

Cada minuto é sagrado, é uma ara.
Como aquele Fausto em outros tempos,
Mas sem pacto direi: "És belo! Pára!" *

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10/02/2017
Nota
*Mas sem pacto direi: "És belo! Pára!" - na monumental tragicomédia de Goethe, Fausto, um erudito entediado, faz um pacto com o Diabo na figura de Mefistófeles, em que este lhe daria todos os prazeres e grandes poderes enquanto ele, um cético, não se rendesse ao deslumbramento, dizendo afinal a um minuto sublime que passa: "Pára! És tão belo! " Neste instante acabava o pacto, e o Diabo poderia se apossar da alma de Fausto. Curiosamente, o final tem um desenlace picaresco: Fausto, tendo se rendido a um minuto sublime e dito a frase, cai morto. Mas Deus envia uns anjos serafins, adolescentes, muito melífluos que volteiam em torno do defunto, sensuais aos olhos de Mefistófeles que começa a cobiçar seus trazeirinhos (!!! Acreditem se quiser, confiram) e o distraem no momento da saída da alma do corpo pela boca do cadáver, e escamoteiam rapidamente a aquela luzinha que levam para o Céu, enquanto Mefistófeles sapateia grotescamente e vocifera, frustrado. Deus falseia (!!) o resultado de sua própria aposta com Lúcifer, que ocorre no "Prólogo no Céu", no começo da peça. Deus rouba do Diabo em favor do Homem! Goethe era um louco maravilhoso...

Sonetinho das chinelas (de Alma Welt)

Não podemos nosso mundo consertar
Se nem Jesus Cristo conseguiu.
Mandela chegou perto de mudar,
Gandhi a Índia em liberdade pouco viu.


Martin Luther King, de fato um rei
Que teve aquele sonho admirável,
Derrubou da maldade o que era lei
Mas racismo continua, detestável.

Filósofa não sou, e nada entendo
Da razão e o porquê de tudo isso
E só minha vontade é dar sumiço.

Mas percebo que o artista, mal ou bem,
Veio só pra costurar, fazer remendo:
Não queira o pobre sapateiro ir além...

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10/ 2/2017

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Meus amigos secretos (de Alma Welt)

Desde guria convivo com os mortos,
Que secretos são os meus amigos
Que foram navegar entre outros portos,
Poetas, uns modernos, uns antigos.

Como lhes tenho muita intimidade
Lhes chamo pelos nomes e apelidos:
Allan Corvino... François dos Tempos Idos, *
Charles, o das flores da maldade... *

Mas, com suas dores também arco:
Eles não desconfiam que são célebres,
E ainda vendem por gatos suas lebres.

Arthur, a vogar bêbado barco
Vogais coloridas, ainda encanta, *
E Walt boa relva cava e planta. *

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09/02/2017

Notas
* Allan Corvino - Edgar Allan Poe, o poeta americano autor do poema O Corvo (e de maravilhosos contos de terror e de humor)

*François dos Tempos Idos - François Villon, poeta medieval francês, autor da famosa "Balada das Damas dos Tempos Idos" ( Où son les neiges d'antan?)

*Charles, o das flores da maldade - O grande Charles Baudelaire, autor do célebre livro de poemas Les Fleurs Du Mal ( As Flores do Mal)

*Arthur, a vogar bêbado barco /Vogais coloridas - Arthur Rimbaud, o grande poeta adolescente francês, que escreveu Le Bateau Ivre (O Barco Bêbado) e La Couleur des Voyelles (A Cor das Vogais)

* E Walt boa relva cava e planta - Walt Whitman, grande poeta americano do século XIX, autor do monumental livro de poemas Leaves of Grass (Folhas de Relva).

Espuma (de Alma Welt)

Tenho uma tristezinha incipiente
Que me dá esse olhar enevoado
Que atrai, por um lado, muita gente,
E do inferno algum bem intencionado.

"Alma, minha linda, pode abrir-se,
Comigo seu segredo está guardado."
Me dizia um amigo em vez de ir-se
Com os outros, beber ali ao lado.

Mas eu dizia: "Vai, beba mais uma...
Por quê queres bancar o confidente?
A vida é da cerveja só a espuma..."

E ao fundo se ouvia o alarido,
Brindes, rolhas espocando de repente,
Meu próprio aniversário já perdido...

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09/02/2017

A Idade de Ouro (de Alma Welt)

Guardo um tesouro dentro em mim,
A Idade de Ouro me acompanha
E só com minha morte terá fim,
Pois em minhas fibras ela entranha.

Minha infância perfumada como sândalo,
Quase perfeita não fora um senão,
Um momento de susto e confusão
Causado por um flagrante escândalo.

Ai de quem as crianças confundir,
Ou as escandalizar, pior ainda...
Dizia o Cristo pra quem quisesse ouvir.

E fui surpreendida pura e nua
No pomar, sob a macieira linda,
Com um guri de casa, e não da rua...
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9/02/20

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Preguiça (de Alma Welt)

Todos temos um pouco de preguiça.
Eu a tenho com o sopro desde o barro
Sou aquela que acorda e se espreguiça
Pra voltar ao sono em que me amarro.

Mas, de súbito, salto como mola,
Impulsionada por um surto de dever
Que me acomete de sonetos escrever,
Anátema de um anjo que me amola:

"Ganharás o pão sem trabalhar,
Mas parirás em dor e alegria
Um ou mais sonetos bons por dia!"

E assim em agonia e regozijo
Vivo minha expulsão do Paraíso
Com uma ou outra falsa rima pra constar...

08/02/2017

Cuidado com a Vida! (de Alma Welt)

A vida é neutra e manobrável como um carro,
Mas de súbito um esgar de auto-ironia
Como o andarilho cego que sorria
Toda vez que enfiava o pé no barro...

Cuidado com a vida e sua intriga!
Confidente que está pra tua besteira,
Se passa por ser tua nobre amiga,
Pra te passar depois uma rasteira...

Confiar desconfiando, diz o povo,
Ou "sin querer queriendo", como o Chaves *
Repetindo isso mil vezes e de novo...

Se souberes que a vida é inconstante
E doida para apresentar entraves,
Podes gostar dela... e até bastante.

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08/02/2017

Nota
* "sin querer queriendo", como o Chaves - Sugestiva frase recorrente do Chaves (para quem não conhece) famoso personagem humorístico infantil mexicano, da televisão, que surpreendentemente a Alma parece conhecer e apreciar de algum modo.

Sem perigo (de Alma Welt)

Garanto que não há amargura em mim,
Só um tanto de acidez, mas sem perigo.
Uma pitada de pimenta com jasmim,
Perfume que ao picante só eu ligo.

Tenho um lado solar, de manhã, trigo
Com meu cabelo louro rubro sob o céu.
Mas, de noite, ai de quem topar comigo
E quiser ver o meu rosto sob o véu.

Não garanto que comigo amanheça
E desperte para agradecer ao sol
Os prazeres que de mim ora conheça...

Ora, estou brincando... sou mansinha,
Meu mistério é permanente arrebol,
Sol terno que da noite se avizinha...

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08/02/2017

Café da Manhã (de Alma Welt)

O café da manhã renova tudo.
Não me refiro ao ideal depois da queda
Nem a novo interesse pelo estudo
Que na tua aridez de novo medra,

Só à simples retomada sem afoite
Do balanço do pêndulo da vida
Que só deve parar na meia-noite,
Quando a última pancada for ouvida.

Querias viver? Então, viveste, homem!
Que esperavas? Melzinho na chupeta?
Tens sorte de escapares do Capeta

Que fica ali na porta dos berçários
Contando que por enfermeira o tomem
E o deixem levar um, dois, três, ou vários...

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08/02/2017

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Meu Epitáfio (de Alma Welt)

"Os seres amou e às coisas belas",
Assim meu epitáfio, espero, seja
Depois das duas datas, duas velas
Sobre a lage de granito que se veja.

Mas sob ela imagino minha caveira
Sorridente como todas e branquinha,
Que muito branca foi esta Alminha,
Fora o ouro desta ruiva cabeleira.

E como vou gargalhar daí por diante!
Já que nunca a morte me enganava
Pois que a avistava a todo instante...

Qual Damocles, sob o fio da espada,
Vivi intensamente, assim amava,
E já não me arrependo mais de nada.

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06/02/2017

A Culpa (de Alma Welt)

Procurar, por ser humana, a redenção
De culpa incipiente e insidiosa,
Eis a carga que cabe, queira ou não,
A uma alma leal e generosa.

Tantas, quase sempre impenitentes,
Vivem como se viver não fosse nada,
Apenas um pãozinho na fornada,
Um prato de lentilhas sem as lentes... *

A lembrança do pecado original,
Injusto, discutível mas provável
Não permeia toda alma por igual,

Mas a sombra da morte, essa sim,
Nos assombra a todos, nada amável,
E como fosse culpa a sinto em mim.

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07/02/2017

Nota
*Um prato de lentilhas sem as lentes - alusão ao engodo de Jacó ao trocar o direito de progenitura de Esaú, seu irmão, por um prato de lentilhas. Lembrando que lentilhas significam pequenas lentes (de aumento)...

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

A Fada Verde (de Alma Welt)

                                                                                  Absinto- Edgar Degas

A Fada Verde * (de Alma Welt)

Senhor Deus, livrai-me da amargura,
Aquela mesma dos poetas dos Cafés,
Ou dos mestres menores da pintura
Que escondiam haxixe em seus bonés;


Outros grandes, repletos de absinto,
Todos os que a Fada Verde amavam
E cujo desespero ainda sinto
Tão longe da Paris aonde estavam...

Sou poeta de outro tempo e espaço
De outros longes tenho a vista plena,
Da coxilha meus poentes, não do Sena.

Entretanto como eles me desfaço,
Diante da solidão e tanta sede,
De mim mesma minha pobre fada verde...

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06/02/2017

Nota
*Fada Verde - O absinto foi especialmente popular na França, sobretudo pela ligação aos artistas parisienses de finais do século XIX e princípios do século XX, até a sua proibição em 1915, tendo ganhado alguma popularidade com a sua legalização em vários países. É também conhecido popularmente de fada verde (la fée verte) em virtude de um suposto efeito alucinógeno. Charles Baudelaire, Paul Verlaine, Arthur Rimbaud, Van Gogh, Oscar Wilde, Henri de Toulouse-Lautrec, Edgar Allan Poe e Aleister Crowley eram adeptos da fada verde. (Wikipedia)



Balanço da vida (III) (de Alma Welt)

Arremedo, chiste, uma anedota,
Eis o que se tornou tua existência.
No final, de um a dez, qual é a nota,
Os frutos que colheste da experiência?

Um balanço da vida é necessário
Embora agora pouco vá adiantar;
Perdeste meia vida num armário
Ou na frente da TV a zapear.

Querias um carro na garagem,
Feriados na montanha ou beira-mar,
E do ventilador tens uma aragem...

Tua hora do espelho é a do escanho
E a espuma branca do teu mar
Correrá para o ralo com teu ranho...

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06/02/2017

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Tem que ser mais (de Alma Welt)

Esperar muito tempo pelo amor,
E encontrando selar um compromisso
Agradecendo aos Céus pelo favor,
A vida tem que ser mais do que isso.

Esperar felicidade forasteira,
Vinda de fora enquanto estás na lida
E podendo te passar uma rasteira...
Mais do que isso tem de ser a vida...

Vê, tudo está em ti desde o começo,
E olhe que não sou de dar conselhos,
Eu mesma tive mais de um tropeço.

Felicidade de fora perde o viço,
E o amor não mora nos espelhos,
Tem que ser mais, a vida, do que isso...

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05/02/2017

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

O trem fantasma (de Alma Welt)


O trem fantasma (de Alma Welt)

A grande dor do ser em existir,
Mais que verso fruto da experiência,
Malgrado o arcabouço branco rir,
É de modo geral uma evidência.

Mas estamos no Parque dos Amores,
Vejam, tem até um trem fantasma
Que nos levará por entre horrores,
Gritos, gargalhada, pranto e asma.

"Mas que visão mais negra, bela Alma!"
Me diz um novo amigo facebook
Dedilhando curtições em manhã calma...

Mas eu só respondo: "Me desculpe.
Paguei entrada no brinquedo "Cauchemar",
Eu também só desejava passear..."

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03/02/2017

A Macieira (de Alma Welt)

   
                                        A levitação de Alma Welt - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 150x150cm, 


A Macieira (de Alma Welt)

Contra a dor do mundo, desde cedo
Em mim mesma lutei o bom combate.
Uma luta constante em que não cedo
À tristeza insidiosa que me abate..

Bipolar nos pensamentos, reconheço,
Mas com uma vontade de alegria,
Volto tantas vezes ao começo,
O alvorecer de antiga fantasia...

Ah! Infância minha, inesquecível,
Quase perfeita não fora mal de amor
Que se manifestou, reconhecível.

Pois no pomar, na macieira do pudor,
Haveria de alçar-me a outro nível:
O de toda a humanidade em sua dor...

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03/02/2017

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Do dom da vida (de Alma Welt)

"Do dom da vida façamos um bom uso".
Eis um bom dodecassílabo proposto
Por uma professora do meu gosto,
Introdutora feliz do verso luso.

E fui pra casa fazer o meu soneto
Que tão logo percebi começar mal
Pois sequer chegaria ao seu terceto
Devido à carga do seu tom conceitual.

Dormi e então voltei no outro dia
E lhe disse: "Bah! Querida professora,
Teu verso bem que tem sabedoria

Mas fica nele mesmo e cala a gente,
Depois dele pego a vida e vou embora,
No cabelo nem sequer passei um pente..."

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02/02/2017

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Os poentes do rei (de Alma Welt)



                                A cena do poente do filme King Kong, de 2005


Os poentes do rei (de Alma Welt)

Tudo é tão triste, convenhamos,
A vida, seus caminhos, descaminhos,
A morte nos persegue aonde vamos
Ou nos alcançará nos nossos ninhos.

Assim me fala o lado negro, realista,
Que nem devia ao mundo declarar.
Deixemos o ingênuo acreditar
Que a vida é bela e se conquista.

Mas então chega a hora do poente
E ponho-me sentada na varanda
E tudo se esclarece de repente.

E já não mais existe right ou wrong,
Sou como a moça ao lado do rei Kong
E uma imensa paz agora manda...

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02/02/2017